segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Equidade jurídica no "mensalão": todos são mesmo iguais perante a lei? * **

(*) Artigo publicado originalmente no Jornal da Paraíba, na edição de 08.11.2012
(**) Por conta de uma confusão de minha parte, o título do artigo que foi publicado (Seca, política e poder), deveria ter sido o que está postado acima.
  
Condenação de Dirceu e Genoíno pelo STF. E
a cidadania com isso? 
Quando a questão diz respeito à preservação de princípios caros a todos nós, especialmente aos mais fracos, não é recomendável que nos aferremos a ideologias, preconceitos políticos, ódio de classe ou puro desejo de vingança. 

Eu me refiro a equidade jurídica, um princípio fundador da sociedade moderna e uma das tantas heranças que a Revolução Francesa nos legou e que haveremos sempre de conservar. 

Princípio, aliás, consagrado em nossa Constituição, que não seria verdadeiramente democrática se não reconhecesse que “todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza”.

Dito isso, eu pergunto: o princípio da equidade jurídica foi respeitado durante o julgamento do chamado “mensalão”? A sanha acusatória do moralismo político, tão ao gosto de nossas classes médias desde os anos pré-1964, atingiu seu mais alto grau, quando o que deveria ser um julgamento, em que o STF e o Ministério Público Federal aproveitassem a chance para desvendar as entranhas do nosso sistema partidário e eleitoral, principalmente buscando aperfeiçoá-lo, acabou por se tornar um deprimente espetáculo político cuja principal vítima não é outra senão a própria ideia de justiça. 

Os ministros do STF, lastimavelmente, deixaram patente que não apenas se dobram às pressões da “opinião pública” – leia-se grandes meios de comunicação, – como são adeptos de uma risível e provinciana tendência a exibicionismos intelectuais.

Pautado por interesses subalternos, o calendário do STF acabou se orientando pelo calendário eleitoral, com a apoteose – a condenação de José Dirceu – marcada para acontecer nas proximidades do segundo turno da eleição municipal que acabou de acontecer.

Entre tantas coisas, talvez a que gera hoje, e certamente continuará gerando polêmicas e efeitos na jurisprudência da justiça brasileira, seja a tese que deu suporte a todos os atos condenatórios de todos os envolvidos no mensalão: o “domínio do fato”. 

Numa síntese precária, essa teoria, desenvolvida pelo jurista alemão Claus Roxin, abre a possibilidade de, mesmo sem provas de sua participação em determinado crime, culpabilizar alguém pelo poder hierárquico exercido sobre os executores de determinado crime.

Pois bem. Foi essa tese “salvadora” que permitiu a condenação por diversos crimes de José Dirceu e de José Genoíno, Ministro Chefe da Casa Civil e Presidente do PT, respectivamente, durante as ocorrências do “mensalão”. 

Sem provas concretas contra eles, Joaquim Barbosa sacou a tese do “domínio do fato” para justificar as condenações dos dois, no que foi seguido por todos os outros ministros, à exceção Ricardo Lewandowski. 

Para constrangimento geral dos nossos “doutos” magistrados, foi o próprio Claus Roxin quem desautorizou o uso desse malabarismo jurídico, concluindo pelo “mau uso” da teoria no caso do “mensalão”. 

Segundo Roxin, em entrevista à Folha de São Paulo – realizada antes, mas só publicada depois do segundo turno, registre-se – a “posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter de saber não basta.”

terça-feira, 13 de novembro de 2012

"Mensalão": A voz das provas (artigo de Jânio de Freitas)


A voz das provas

Janio de Freitas Folha de São Paulo (13/11)

Foi uma das coincidências de tipo raro, por sua oportunidade milimétrica e preciosa. Várias peculiaridades do julgamento no STF, ontem, foram antecedidos pela manchete ao pé da pág. A6 da Folha de domingo, título de uma entrevista com o eminente jurista alemão Claus Roxin: “Participação no comando de esquema tem de ser provada”.

O subtítulo realçava tratar-se de “um dos responsáveis por teoria citada no julgamento do STF”, o “domínio do fato”. A expressão refere-se ao conhecimento de uma ocorrência, em princípio criminosa, por alguém com posição de realce nas circunstâncias do ocorrido. É um fator fundamental na condenação de José Dirceu, por ocupar o Gabinete Civil da na época do esquema Valério/PT.

As jornalistas Cristina Grillo e Denise Menchen perguntaram ao jurista alemão se “o dever de conhecer os atos de um subordinado não implica corresponsabilidade”. Claus Roxin: “A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta”. E citou, como exemplo, a condenação do ex-presidente peruano Alberto Fujimori, na qual a teoria do “domínio do fato” foi aplicada com a exigência de provas (existentes) do seu comprometimento nos crimes. A teoria de Roxin foi adotada, entre outros, pelo Tribunal Penal Internacional.

Tanto na exposição em que pediu a condenação de José Dirceu como agora no caótico arranjo de fixação das penas, o relator Joaquim Barbosa se expandiu em imputações compostas só de palavras, sem provas. E, em muitos casos, sem sequer a possibilidade de se serem encontradas. Tem sido o comportamento reiterado em relação à quase totalidade dos réus.

Em um dos muitos exemplos que fundamentaram a definição de pena, foi José Dirceu quem “negociou com os bancos os empréstimos”. Se assim foi, é preciso reconsiderar a peça de acusação e dispensar Marcos Valério de boa parte dos 40 anos a que está condenado. A alternativa é impossível: seria apresentar alguma comprovação de que os empréstimos bancários tiveram outro negociador –o que não existiu segundo a própria denúncia.

Outro exemplo: a repetida acusação de que José Dirceu pôs “em risco o regime democrático”. O regime não sofreu risco algum, em tempo algum desde que o então presidente José Sarney conseguiu neutralizar os saudosos infiltrados no Ministério da Defesa, no Gabinete Militar e no SNI do seu governo. A atribuição de tanto poder a José Dirceu seria até risível, pelo descontrole da deformação, não servisse para encaminhar os votos dos seguidores de Joaquim Barbosa.

Mais um exemplo, só como atestado do método geral. Sobre Simone Vasconcelos foi onerada com a acusação de que “atuou intensamente”, fórmula, aliás, repetida de réu em réu. Era uma funcionária da agência de Marcos Valério, por ele mandada levar pacotes com dinheiro a vários dos também processados. Não há prova de que soubesse o motivo real das entregas, mesmo admitindo desde a CPI, com seus depoimentos de sinceridade incomum no caso, suspeitar de motivo imoral. Passou de portadora eventual a membro de quadrilha e condenada nessa condição.

Ignoro se alguém imaginou absolvições de acusados de mensalão. Não faltam otimistas, nem mal informados. Mas até entre os mais entusiastas de condenações crescem o reconhecimento crítico do descritério dominante, na decisão das condenações, e o mal-estar com o destempero do relator Joaquim Barbosa. Nada disso “tonifica” o Supremo, como disse ontem seu presidente Ayres Britto. Decepciona e deprecia-o –o que é péssimo para dentro e para fora do país.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Consequências de 2012 (*)

RC, Cássio, Veneziano e Agra: 2014 passa por eles

Comecemos por Ricardo Coutinho que, sem dúvida, sofreu um importante revés depois da derrota em João Pessoa. A situação eleitoral no segundo turno foi tão desconfortável para o governador com a passagem de dois dos seus mais ferrenhos adversários, que RC foi obrigado a declara-se neutro, entre outros motivos, porque o seu apoio foi rejeitado por Luciano Cartaxo e Cícero Lucena. 

As vitorias mais importantes do PSB, entre elas Cajazeiras e Bayeux, não se deveram à força do governador, mas às lideranças locais de Carlos Antônio e Expedito Pereira. Mas, mesmo sem elas, RC continuaria a ser um forte candidato à reeleição, por mais desgastado que ele esteja nos grandes centros. Além de tempo para reverter essa situação, RC tem uma poderosa máquina que dá a qualquer governador uma imensa vantagem. 

Mas, é bom lembrar, isso por si só não basta. O exemplo de José Maranhão em 2010 ainda está bem presente na memória política dos paraibanos.

O Senador Cássio Cunha Lima saiu revigorado, especialmente depois da vitória de Campina Grande. Impossibilitado de concorrer ao governo por conta Lei do Ficha Limpa, Cunha Lima dispõe de duas opções. A primeira delas é seguir em sua aliança com o governador Ricardo Coutinho, agora numa posição mais vantajosa. Controlando a Prefeitura de Campina Grande, o ex-governador não depende mais tanto de RC e tenderá a pedir cada vez mais alto para manter-se apoiando a gestão do PSB. 

A segunda delas é lançar um candidato para cultivar seu espaço eleitoral por onde pretende retornar ao governo em 2018. A dificuldade desse projeto reside em aglutinar forças em torno de um candidato com limitada expectativa de vitória. Por isso, considero que o mais provável é a manutenção da aliança com RC.

O PT, por outro lado, ampliou bastante sua capacidade de influenciar nas disputas futuras na Paraíba, mas carece de uma liderança de peso que possa oferecer seu nome na disputa. À exceção de Luciano Agra, que parece ainda não dispor de força suficiente para participar com chances reais. 

Como o PT passou daquela fase de lançar candidatos apenas para marcar posição, e como 2014 envolve também a eleição presidencial e as alianças que lhe darão suporte nos estados, é bastante provável que o PT opte por uma aliança na Paraíba com o atual prefeito de Campina Grande, Veneziano Vital, do PMDB, aliança partidária que deve se repetir nacionalmente.

E isso nos leva ao último, mas não menos importante, ator desse processo, que é o atual prefeito de Campina Grande. Mesmo derrotado, Veneziano Vital mostrou força ao levar uma candidata desconhecida, sem experiência política e eleitoral, a um expressiva votação no segundo turno, quando ela amealhou mais de 40% dos votos, disputando com um deputado federal que, mais importante do que isso, representava a tradição da família Cunha Lima na cidade. 

Vital do Rego pertence ainda ao PMDB, a principal máquina partidária do estado e que conquistou o maior número de prefeituras em 2012, entre elas as de Patos, Sousa e Cabedelo. Além disso, Veneziano tem um atributo bastante valorizado nos candidatos , que é a juventude.

Enfim, a Paraíba tende a ver repetir as composições partidárias que se enfrentaram e dividiram meio a meio o estado nas últimas três eleições (2002, 2006 e 2010). A força adquirida pelo PT e o carisma pessoal de Veneziano Vital serão um poderoso contraponto à máquina ricardista aliada do cassismo. 

(*) Artigo publicado originalmente no Jornal da Paraíba, na edição de domingo (04.11.2012)