quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Derval Golzio: Frases de ontem, delícias de hoje

O professor, amigo e colega da UFPB Derval Golzio me enviou um apanhado de diálogos trocados pela imprensa entre o prefeito de João Pessoa e candidato a governador com o apoio do PSDB e do DEM (alguns preferem "Demos"), Ricardo Coutinho, e o deputado federal, candidato a senador e a presidente do PT, Luiz Couto. Eu quero mesmo ver se vinga esse paradoxal palanque. As frases abaixo não são exatamente as juras de fidelidade que ambos protagonizam atualmente, muito pelo contrário. Perguntei a Derval se ele me autorizava a publicar neste blog o texto e ele fez isso. Diz que ainda tem mais. Deve ter mesmo porque a citada relação política teve capítulos que assombraram os leitores de jornal e ouvintes de rádio pela forma pouco amistosa como ocorreu. Vamos ver se Derval resiste mesmo ao bolor dos jornais velhos e nos brinda com novos capítulos. Vai ser muito divertido.

Por enquanto, fiquemos com o texto que Derval nos brinda hoje.

FRASES DE ONTEM, DELÍCIAS DE HOJE


A ausência de dados novos sobre o processo eleitoral do próximo ano provoca uma sensação de calmaria para os meios de comunicação e para os leitores contumazes das páginas dedicadas aos assuntos que envolvem partidos políticos e seus integrantes. Passado o período da janela para filiação partidária (bastante parecida com a mudança de clubes por jogadores que passam a adotar a nova equipe como a paixão de sempre) não resta muito a fazer senão folhear jornais de anos passados para ler o que os políticos diziam de si e de outros.

Diversão pura ler as declarações dos personagens da política estadual que povoam as páginas dos diários, sites e portais locais em momentos não muito distantes. Vale lembrar os impropérios, denúncias, críticas e até passagens pelas delegacias de polícia. É o caso de amor e ódio que envolve o deputado federal Luis Couto (PT) e o prefeito Ricardo Coutinho (então petista e hoje dono do PSB paraibano). Hilário:

1) “Eu não agredi Ricardo. Ele está mentindo. Apenas tomei um panfleto que ele estava distribuindo”

Luis Couto contesta Ricardo Coutinho, que havia prestado queixa contra Couto por agredi-lo fisicamente com um soco no rosto (Helder Moura, em 06/06/2000, pag 05)

2) “Quem pariu a candidatura de Couto deve parir também seu vice.”

Resposta de Ricardo Coutinho à provocação de que indicaria o candidato a vice de Luiz Couto, após ser preterido como candidato a prefeito de João Pessoa pelo grupo comandado pelo atual presidente do Sebrae/PB, Júlio Rafael (“Judas Rafael”), em 21/06/2000, pag 03.

3) “Só apoio uma candidatura nestas eleições que seja, verdadeiramente, de oposição ao prefeito Cícero Lucena. Este grupo que controla o PT, o grupo de Luiz Couto, nunca fez oposição ao PMDB do R (grupo Cunha Lima da qual o prefeito Cícero Lucena faz parte).”

Declaração do então deputado Ricardo Coutinho (PT) à jornalista Learth, em 2000, (pág 05 do Correio da Paraíba).

O leitor não precisa se esforçar nem tampouco retroceder muito nas páginas bolorentas dos jornais envelhecidos. Basta voltar às vésperas das últimas eleições para vislumbrar pérolas como as proferidas pela então vereadora Paula Frassinete (PSB) dirigidas ao deputado Ruy Carneiro e ao Governador Cássio Cunha Lima: “Quem tem um histórico de violência toda a Paraíba sabe. E o deputado Ruy Carneiro também sabe, pois ele integra o grupo violento que tentou matar Burity, que ameaça e intimida os adversários em Campina Grande e promove arruaça nas plenárias populares da Prefeitura de João Pessoa usando o Cabo Sóstenes, que é lotado no Gabinete Militar do governador”.

Se não tiverem problemas com o mofo e poeira dos arquivos de jornais, essa é uma leitura obrigatória e prazerosa. Muitos leitores devem ter alguma máscara protetora guardada numa gaveta (remanescente dos receios da gripe suína). Um bom motivo para usá-la.

Derval Golzio
Prof. Departamento de Mídias Digitais/UFPB

sábado, 24 de outubro de 2009

Lula, a elite e a grande imprensa

Nenhum Presidente da República teve as palavras e frases que pronuncia tão esquadrinhadas quanto Luís Inácio Lula da Silva. Tanto que recentemente, o diretor de jornalismo da Rede Globo, Ali Kamel escreveu um livro só com as frases ditas por Lula durante a sua presidência, chamado Dicionário Lula: Um Presidente Exposto por Suas Próprias Palavras.

O título já indica o objetivo do livro: construir um perfil de Lula através das palavras que pronuncia, ou seja, reduzi-lo ao que Ali Kamel, que provavelmente se acha um gênio literário, acha que ele é, opinião que certamente é compartilhada por quase toda a "elite" brasileira: um parvo, um bronco, uma anta, como preferiu a pena asquerosa de Diogo Mainardi, enfim, um semi-alfabetizado que ousou sair do trabalho braçal para fazer política e se meter onde essa "elite" não o chamara. Tornar-se presidente, então, continuará sendo o pecado mais abominável que Lula cometeu e pelo qual jamais será perdoado, mais ainda porque quando terminar o exercício de sua presidência o Brasil sairá melhor, muito melhor do que quando ele tomou posse. E isso desmerece o queridinho dessa elite e modelo do intelectual paulista, Fernando Henrique Cardoso. Ou seja, Lula na presidência demonstra que os modelos intelectuais dessa elite, se serviram para alguma coisa, serviram à finalidade de prejudicar o Brasil e seu povo pois eram referenciados, e muitas vezes produzidos, fora do Brasil.

Eis um outro motivo para tanto desprezo. Lula reafirma valores até então esquecidos, tanto por conta de idéias que circularam com muito vigor depois da década de 1990, como as que pregavam o fim das fronteiras nacionais (econômicas, políticas, culturais), traduzidas pela expressão "globalização", e que seduziu boa parte da nossa "intelligentsia", bem como pela diluição de um pensamento, digamos, classista, que afirmava o povo e sua cultura como fundamento da cultura nacional, em oposição à cultura tranplantada das elites econômicas, homogeneizadas por modos e modelos de comportamento padronizados na Europa e, mais recentemente, nos EUA. A chamada cultura de massas e a difusão de um padrão cultural baseado no mercado de consumo aproximou os gostos de parte dessa elite aos do povão, e todos, por exemplo, cantam hoje as mesmas músicas alegremente, de Aviões do Forró às bandas de pagode. Mas, isso é um outro assunto.

O fato é que, em termos ideológicos, o modelo cultural dessa elite continua sendo o que faz o corte entre o "popular" e o "erudito", mesmo que a superficialidade de uma mentalidade colonizada e intelectualmente nula seja confundida com "erudição". Ou seja, para essa elite, os gostos do povão são reprováveis enquanto que os dela constitui o modelo de distinção cultural. E o tratamento dado por ela a Lula expressa com limpidez mais que preconceito, desprezo pelo povo que lhe serve, nos ambientes públicos e privados.

Por isso, por mais vitoriosa que seja a gestão de um Silva na Presidência da República, haverá sempre um "mas" dessa elite a reprová-la. Lula vai visitar a mega-obra da tranposição do Rio São Francisco, são destacados ao invés dela o risoto, o whisky e as cantorias de que participou a comitiva presidencial. Lula dá uma entrevista a um jornalista da Folha de São Paulo sobre a crise econômica, em que o presidente esbanja domínio sobre o tema, explica o que foi a crise e como o Brasil, com a participação do Estado, conseguiu superá-la (para ler a entrevista completa, sem cortes, clique aqui), o que o jornal destaca em manchete principal é um único trecho dela, e fora do context, quando Lula trata da composição de forças do governo.

Veja a manchete: "No Brasil, Cristo teria de se aliar a Judas". Agora, a frase inteira: "Veja, quem vier para cá não conseguirá montar um governo fora da realidade política do país. Se Jesus Cristo viesse para cá e Judas tivesse a votação que teve um partido qualquer, Jesus Cristo teria que chamá-lo para fazer coalizão, porque essa é a composição de forças que tem no Congresso."

É claro que o exemplo colhido por Lula no seu afã de ser didático não é dos melhores, pois acaba ferindo a sensibilidade cristã num campo em que o melhor é deixá-la quieta (e não me venham os "ricardistas" fazerem analogias com a Paraíba. Lula enfatizou sua responsabilidade como Chefe de Estado e a necessidade de compor maiorias no parlamento, e não de composições eleitorais com os adversários de seu projeto de governo e de país, cuja hegemonia e direção são muito claras). Mas, ela evidencia uma característica de seu governo, que é claramente de coalização, mas com um claro conteúdo de transição para um novo modelo de desenvolvimento, o que permite reunir num amplo arco de alianças forças que desejam contribuir para esse projeto. Ou seja, o governo Lula não é um governo socialista, mas tem um nítido caráter de recomposição das bases de um desenvolvimento nacional, agora com distribuição de renda.

E talvez seja essa a origem do desprezo dessa elite colonizada.

Eu só fico imaginando se fosse Lula que desse a declaração abaixo.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

As chances de Dilma Roussef em 2010

Na última sexta, o jornalista Gutemberg Cardoso, no programa de rádio Correio Debate, do qual é um dos apresentadores, exibiu várias entrevistas que ele colheu durante a visita do presidente Lula às obras da transposição do Rio São Francisco, e que dariam pano pra manga. Entretanto, eu vou me restringir aqui, como introdução a esta postagem, a que ele fez com a ministra Dilma Roussef. Cardoso, antes de perguntar sobre a avaliação que a ministra fazia de suas chances na eleição de 2010, provocou-a repetindo algumas sentenças sobre o perfil político de Roussef. Ele reverberava, talvez com a intenção de colher alguma declaração mais incisiva que alterasse o comportamento retilíneo que Dilma Roussef vem assumindo em relação à sua candidatura, e que a grande mídia pretende que se tornem um fato, mas que são na verdade um esforço de construção de estereótipos: que Dilma não tem “carisma” e por isso não conseguiu empolgar ainda o eleitorado, que Dilma não tem “traquejo” político, que Lula não conseguiu transferir ainda a imensa popularidade que tem em forma de voto para sua candidata.

Dilma Roussef, como seria óbvio, discordou e eu destacarei aqui dois argumentos importantes que são o mote desta postagem: 1) que ainda falta muito tempo para a eleição e 2) que as pessoas quando forem às urnas em 2010 vão avaliar a gestão Lula, decidindo se querem a continuidade desse projeto ou se desejam retornar ao passado, elegendo um candidato da oposição.

Vamos seguir esse roteiro esboçado acima para exprimir o que eu penso a respeito da situação atual da disputa para presidente, tendo por base as pesquisas de intenção de voto.

O momento é de compor os exércitos para a batalha

Primeiro, a distância temporal do pleito. Isso é óbvio, mas é sempre bom repetir: um ano em política é uma eternidade. Ou seja, o quadro político tem muito a evoluir até o início da campanha, isto é, até as convenções partidárias; depois, tem a campanha em si, que é quando a onça inicia seu caminho em direção ao poço onde beberá água. Portanto, toda e qualquer “análise” sobre o que acontecerá na eleição de 2010 é pura especulação, tanto as que tem Serra como eleito ou as que o tem como derrotado. O mesmo vale para Dilma Roussef e também para Ciro Gomes.

Os sujeitos desse embate sabem disso. E sabem que o que está em jogo atualmente são as composições partidárias. Esse é o momento de arregimentar forças, montar composições partidárias, estabelecer o arco de alianças. É essa fase da guerra que está em pleno movimento, com uma nítida vantagem para Dilma Roussef. Dentro desse contexto é que verificamos a intensa mobilização, entre agosto e setembro, dos partidos de oposição articulados com a grande imprensa, cujo objetivo não era outro a não ser inviabilizar a aliança entre o PT e o PMDB. A “crise do Senado” – quantas “crises” o Brasil viveu desde que Lula assumiu a presidência? – foi apenas um capítulo desse jogo que tem a grande imprensa, ou o PIG (Partido da Imprensa Golpista), como prefere chamar esse oligopólio da informação o jornalista Paulo Henrique Amorim, como o principal jogador.

Como ficou óbvio, a crise do Senado não foi montada para buscar reformar aquela casa legislativa (a Globo tem esse tipo de preocupação?). Se a intenção denuncista desses meios de comunicação, um poderoso pool de empresas que reúne, entre outras, a Rede Globo e suas ramificações, a Veja, a Folha e o Estado de São Paulo, fosse mesmo a de reformar aquela casa legislativa, ela já teria iniciado uma campanha, por exemplo, para que a população debatesse mecanismos mais permanentes para tornar mais transparentes e acessíveis o funcionamento do Senado, com o mesmo ímpeto com que conseguiu derrubar, em seqüência, vários presidentes do Senado e um da Câmara dos Deputados. Mas não. O que se viu, como sempre, foi uma ação seletiva cujo objetivo foi a satanização de José Sarney e um claro esforço de preservar os (vários) parlamentares da oposição envolvidos nos diversos escândalos apresentados.

Um exemplo foram os “atos secretos”, gestados durante o exercício na presidência de Antônio Carlos Magalhães, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, com um detalhe significativo para os paraibanos: pela iniciativa do então Secretário do Senado, Ronaldo Cunha Lima, que nomeou um dos seus filhos para um cargo no Senado sem a devida publicidade do ato. Depois disso, esses atos ainda passaram por outras mãos paraibanas, a exemplo das de Efraim Morais. Quem lia o noticiário e os discursos da oposição, parecia ter sido tudo obra exclusiva de José Sarney, quando o próprio líder da oposição, Artur Virgílio, não era sequer citado entre o que perpetraram graves crimes contra o erário, como ter as contas de um hotel em Paris pagas pelo então diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, e manter um assessor estudando em Londres com o salário pago pelo Senado. Até que, diante da resistência liderada por Lula para preservar o senador maranhense no cargo, com o apoio de parte da rede de informação alternativa que se tornou os blogs, começou-se o desmascaramento de mais essa armação golpista. Sem condições morais para pedir o afastamento de Sarney, a não ser entregando em uma bandeja a cabeça de figuras ilustres da oposição, o "escândalo" foi esquecido, restando o saldo do fim dos atos secretos no Senado.

Outro saldo dessa batalha decisiva foi a antecipação da definição do PMDB em favor da candidatura de Dilma Roussef, o que, numa situação normal, só deveria acontecer nos primeiros meses de 2010. Enfim, o tiro da oposição saiu mais uma vez pela culatra.

O que dizem as pesquisas hoje

As pesquisas hoje apontam uma vantagem de José Serra, que vem diminuindo em relação à Dilma Roussef: em março de 2008 era de 35 pontos (38% a 3%, segundo o Datafolha) e hoje, segundo a última pesquisa CNI-IBOPE, a diferença caiu para 20% (34% a 14%), isso quando Dilma enfrenta também Ciro Gomes, que também tem 14%.

Desconsiderando as claras manipulações dessas pesquisas, como a que aconteceu na última realizada pelo IBOPE em que os eleitores com nível superior foram engordados em 5% e os analfabetos emagreceram 5%, os dados dessas pesquisas são importantes por revelarem outros aspectos, em geral pouco destacados. Em termos efetivos o que vale mesmo, há um ano da eleição, são os dados referentes à pesquisa não estimulada, aquela em que o eleitor diz em quem vai votar sem ver o nome dos candidatos, e que capta a decisão do eleitor sem influência de nenhuma espécie: segundo a pesquisa CNT-Sensus de setembro deste ano, Lula seria votado por 21,2% dos eleitores, enquanto Serra teria 7,7% e Dilma 4,8%.

Um importante fator a influenciar o voto do eleitor é o grau de conhecimento dele pela população. Nesse quesito, segundo pesquisa da CNT-Sensus realizada em maio de 2009, José Serra leva grande vantagem em relação a Dilma Roussef: Serra é conhecido por 52% dos entrevistados e outros 42% já ouviram falar dele; enquanto isso, Serra é completamente desconhecido por apenas 3,7% do eleitorado. Já Roussef é conhecida por 32,8% da população, enquanto 39,2% já “ouviram falar” dela; 26,1% não conhecem nem ouviram falar em seu nome. Se considerarmos que provavelmente a quase totalidade desse eleitor que não a conhece tem origem pobre, e é normalmente um apoiador de Lula, Dilma tem muito a crescer em meio a essa faixa da população.

Por outro lado, quando perguntado sobre a definição de voto nos candidatos, 18,4% afirmaram ser em Serra o único candidato em que votaria, enquanto Dilma chega a 14%. Ou seja, os votos que Roussef tem hoje (14%) estão plenamente decididos de Dilma, enquanto quase a metade dos que dizem votar hoje em José Serra, poderiam votar em outro candidato. Nessa mesma pesquisa, por outro lado, 24,6 % disseram que não votariam em Serra de jeito nenhum, enquanto 23% afirmaram a mesma coisa em relação a Dilma.

Os números da rejeição a Dilma foram alterados mais recentemente pela verdadeira campanha organizada contra ela por conta de um improvável encontro com a ex-Secretária da Receita Federal, Lina Vieira, que afirmou, primeiro, que Dilma a pressionou para beneficiar um familiar de José Sarney numa investigação da receita; depois, voltando atrás, que Roussef tinha pedido apenas “celeridade” no processo. O fato é que a grande imprensa deu como verdadeiras as afirmações de Lina Vieira e como mentirosas as negativas de Dilma Roussef, num ato de explícita manipulação da “opinião pública”. Por outro lado, esconderam deliberadamente fatos importantes, entre eles o de Lina Vieira ser esposa de um ex-ministro de FHC, Alexandre Firmino, que também é íntimo colaborador de José Agripino Maia, com quem Lina Vieira se reuniu antes de depor na CPI. Vejam que um fato dessa relevância política passou “despercebido” pelo “jornalismo investigativo” de Veja e Cia.

Avanço ou retrocesso em 2010?

Entretanto, os dados que realmente importam nessas pesquisas é a avaliação positiva do governo Lula que, há quase 7 anos à frente do governo, só faz aumentar. Em setembro de 2009, quase 70% dos brasileiro consideravam o governo ótimo ou bom, 22% regular e apenas 9% reprovavam o governo. É com esse espólio que Dilma pretende contar em 2010 e que Lula, certamente, vai oferecer-lhe de bom grado.

Nesse aspecto, a discussão que tem sido mais relevante é se Lula conseguirá converter a popularidade do seu governo em votos para Dilma. Escuto muitas opiniões de que “voto não se transfere” e que Dilma não será beneficiária dos votos de Lula. Tais avaliações ou desconhecem os exemplos antigos e recentes sobre isso, ou são pura torcida. Desde 1986, o fenômeno da transferência de votos pode ser mais do que comprovado. Na eleição daquele mesmo ano, o PMDB chegou a eleger quase todos os governadores do país, à exceção do de Sergipe. Aquilo pode ser ou não considerado um fenômeno de transferência de votos. É óbvio que ali,tivemos a junção da grande popularidade do governo José Sarney e do Plano Cruzado com a máquina partidária do PMDB. E o mais provável é que duas máquinas partidárias importantes e complementares estarão juntas em 2010, o PT e o PMDB.

Em 1990, Orestes Quércia, então governador de São Paulo, elegeu um obscuro e desconhecido Secretário de Segurança para o governo paulista, Antônio Fleury Filho; em 1996, Paulo Maluf elegeu outro desconhecido para a Prefeitura de São Paulo, Celso Pitta. Numa onda recente, prefeitos bem avaliados tem conseguido eleger com alguma facilidade seus sucessores. Porque, e isso é uma questão que se torna clara só durante a campanha eleitoral, especialmente pela TV, o eleitor se defronta não apenas com os candidatos, mas com o que eles representam. Ou seja, o eleitor está ficando cada vez mais racional em termos de suas escolhas, preferindo outros atributos que não apenas, usando o termo em seu sentido popular, "carisma".

O exemplo mais citado pelos que não acreditam no fenômeno da transferência de votos é o de JK, que não conseguiu eleger o seu candidato, Marechal Lott, como sucessor na eleição de 1960. Um primeiro aspecto a ser ressaltado nesse exemplo é que, como acontece hoje, a mesma imprensa que comanda a oposição a Lula, era a mesma (na época, os jornais O Globo, Folha, Estadão), que orquestrava uma campanha “contra a corrupção” no governo JK, inclusive dando destaque às pregações golpistas de Carlos Lacerda, como já fizera antes contra Getúlio Vargas. Entretanto, esse não é e nunca foi o aspecto mais importante. Mesmo popular, o governo de JK vivia problemas econômicos, especialmente com alta inflacionária, apesar de ter sido aquele período (1956-1960), e talvez por isso mesmo, um dos de mais intenso crescimento econômico.

Ou seja, tanto para o longíquo ano de 1960, quanto para o vizinho ano de 2010, não custa repetir a famosa frase que James Carville popularizou durante a campanha de Bill Clinton, em 1992: "É a economia, estúpido!" Isso explica tanto a massacrante vitória que Lula obteve sobre essa mesma oposição, em 2006, mesmo depois de uma das mais impiedosas e desgastantes campanhas que qualquer presidente já teve contra si e seu governo, especialmente em ano pré-eleitoral, que foi a do "mensalão", e também explica porque, mesmo em "crise política permanente", Lula continua com a popularidade nas alturas. E em 2006, o Brasil apenas começava sua arremetida econômica.

Em 2010, o Brasil não só terá se recuperado da maior crise econômica planetária desde 1929, fato que deve ser atribuído à ação organizada do Estado brasileiro, mas apresentará um índice de crescimento próximo dos 5%. Além disso, o salário mínimo alcançará o patamar próximo dos 300 dólares (em 2003, quando Lula assumiu, ele correspondia a 65 dólares); mais ainda, teremos, entre tantos dados que explicam a avaliação positiva do governo Lula, a ampliação do Bolsa Família e a diminuição da desigualdade social e da concentração da renda. Números que nenhum presidente, a não ser Lula, na história do Brasil, tem para apresentar. Como disse a ministra Dilma Roussef em resposta ao jornalista Gutemberg Cardoso: o eleitor, especialmente o mais pobre, vai comparar inevitavelmente a vida que ele levava há 8 anos atrás, depois do governo do PSDB, e a que ele leva hoje, com Lula. Não serão apenas Dilma e Serra a serem comparados, mas Lula, Fernando Henrique e seus governos, dos quais os candidatos foram ministros importantes.

Além de tudo isso, existe o segundo turno, já assegurado pelas pesquisas de hoje. Dos candidatos em disputa, à exceção de José Serra, todos se alinham à esquerda e tenderão a apoiar o candidato desse campo que for ao Segundo Turno. É bom lembrar que, tanto em 2002 com em 2006, os candidatos do PSDB não conseguiram ultrapassar o patamar dos 40%. Esse patamar explica tanto a alta rejeição de Dilma Roussef, mesmo sendo a candidata menos conhecida, e o patamar de votos em José Serrá, que provavelmente (se até lá ele mantiver a candidatura) deverá chegar e estacionar nos 30% até o início da campanha. E esse é um problema para José Serra mesmo nas pesquisas de hoje: mesmo sendo o candidato mais conhecido, ele só consegue alcançar 49% dos votos em um eventual segundo turno.

Ou seja, o jogo de 2010 está em aberto. Mas, dificilmente o PSDB leva essa.

Em tempo: depois que inseri esta postagem descobri (adivinhem como!) através da Folha, e mais tarde no Jornal Nacional, que Lina Vieira havia "encontrado" sua agenda, o que, óbvio, levou todos os jornalistas dessas empresas a concluirem que Lina Vieira sempre falou a verdade. Vejam que insanidade: uma senhora, esposa de um ex-ministro de Fernando Henrique Cardoso, afirma que, durante uma reunião com a ministra Dilma Roussef, na Casa Civil, recebera pressão para encerrar (depois ela disse "acelerar") uma investigação da Receita Federal contra um familiar de José Sarney. Não apresentou nenhuma prova do que disse e todas as versões dela sobre os fatos narrados em entrevista à FSP e depois em depoimento Comissão de Constituição e Justiça do Senado, não foram corroboradas por ninguém. Sequer a data da reunião a mulher lembrava. Agora, dois meses depois, aparece a prova de todas as provas: a agenda particular da Lina Vieira! É insano, repito, que a grande imprensa continue dando credibilidade a essa história. Sobre isso, recomendo postagem do blog de Luis Nassif, intitulada Como o PSDB terceirizou a política (clique aqui para acessar). Abaixo, as versões de Lina Vieira sobre o encontro com Dilma Roussef na versão do blog Quanto tempo dura. Divirtam-se.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Sobre comunistas e alianças

A posição explicitada pelo ex-deputado Simão Almeida de que o PCdoB, até então o partido de esquerda mais alinhado ao projeto de Ricardo Coutinho, não sobe no mesmo palanque no qual também esteja Cássio Cunha Lima, expõe o grau de isolamento a que pode ser submetido o prefeito de João Pessoa, em 2010, especialmente em relação aos aliados tradicionais de esquerda. E, ao adiantar essa posição, Simão explicita pela primeira vez com uma clareza meridiana que o PCdoB pode não estar com Coutinho na eleição do próximo ano, como era o que tudo indicava há alguns meses atrás.

O PCdoB é o partido que melhor se porta diante de um quadro político marcado pelo aprofundamento do conflito entre dois dos seus aliados nos últimos embates eleitorais, o PSB e o PMDB. Esse mesmo conflito está rachando ao meio o PT e provocou, provavelmente um fato único na história política brasileira, a debandada de toda a bancada estadual e federal do PSB, o partido de Ricardo Coutinho. Entretanto, mesmo com todo esse vendaval que atinge as outras legendas de esquerda, o PCdoB parece navegar nas calmas águas da unidade interna, o que tem assegurado-lhe uma convivência tranqüila e aparentemente sem sobressaltos, tanto com o governador José Maranhão quanto com o prefeito Ricardo Coutinho. E participando dos dois governos.

É claro que facilita essa posição a concepção de partido centralizado que ainda preside o PCdoB, aliado a um permanente espírito de sobrevivência política que exige, mais do que tudo, jogo de cintura de suas direções, aliada, é claro, a uma análise apurada do quadro político. Os comunistas, no ambiente ideológico criado após o fim da Guerra Fria, não podem se dar ao luxo de cometerem erros. Suas decisões são medidas e cada passo importante é dado como se estivessem atravessando um precipício. E talvez seja por isso que, mesmo numa situação de defensiva ideológica, o PCdoB nas duas últimas décadas só fez avançar na sua representatividade política e hoje é um partido que almeja compor, sem que seja esse um objetivo inalcançável, uma bancada de pelo menos 26 deputados federais, um feito para qualquer partido comunista no Ocidente, principalmente um que ainda se afirma marxista-leninista.

Esse rigor ideológico, para muitos um tanto anacrônico, principalmente em tempos em que o “fim das ideologias” é propalado aos quatro ventos, tem sua consonância com uma política de alianças ampla - hoje o PCdoB defende uma aliança com o PMDB em apoio a Dilma Roussef para presidente - cujo fundamento é um projeto de nação e de soberania, mas que é também o seu fator delimitador a inspirar suas composições políticas. Trata-se de uma nítida estratégia defensiva, especialmente para um partido que já defendeu a luta direta pelo socialismo no Brasil. Essa definição estratégica acaba por aproximá-lo de outros partidos considerados hoje menos à esquerda, como é o caso do PT.

É por essa razão que a política de alianças desses partidos não comporta o PSDB e o DEM, representantes típicos do capital financeiro e dos grandes oligopólios estrangeiros, a exemplo daqueles que querem se apropriar do Pré-Sal, e do agronegócio. Por isso, não há também espaço para políticos da estirpe de um Cássio Cunha Lima ou de um Efraim Morais, que são a própria negação desse projeto.

Só Ricardo Coutinho não consegue enxergar isso. E ele ainda me sai com uma dessas pérolas para justificar a aliança com o DEM que vem a ser um verdadeiro malabarismo retórico: "aliança política não é questão de princípio, mas sim questão de estratégia". Dito assim, sem a observação do contexto, essa frase não quer dizer absolutamente nada. Vendo o contexto, ela diz tudo. Quando a escutei, lembrei-me imediatamente de outra frase, agora do comunista alemão e parceiro intelectual de K. Marx, F. Engels: “Que pueril ingenuidade a de apresentar a própria impaciência como argumento teórico!”

Na mesma página do livro onde eu pesquei a frase acima, li outra, agora citada por Lênin, em referência aos futuros trabalhistas ingleses que não desejavam estabelecer limites para as alianças, e a quem o revolucionário russo não cansava de chamar de oportunistas: “Se se permite aos bolcheviques um certo compromisso, porque não permitir-nos qualquer compromisso?”, repetiam os insossos ingleses. Ou seja, se até os revolucionários russos faziam alianças que envolviam compromissos, porquê os direitistas ingleses não podiam realizá-las com quem eles bem entendessem, assumindo os compromissos que delas resultassem? Lênin defendia a necessidade dos comunistas de realizarem alianças, mas poderava os objetivos delas. Enfim, se tivéssemos que usar uma outra frase para sintetizar essa polêmica, usaríamos essa: “nem tanto à terra nem tanto ao mar”. Ou seja, é impossível fazer política sem realizar alianças, mas elas tem sempre um objetivo maior. Quando Ricardo Coutinho, que se diz de esquerda, criou propositadamente uma oposição entre princípios e estratégias ele apenas confirmou o que eu disse aqui antes: que as alianças, para ele, devem estar circunscritas às ocasiões de cada embate político, sendo o conteúdo (estratégico) delas o que menos interessa. Se é falsa a oposição entre princípios e estratégia, é falso desconsiderá-los na realização delas. Senão, a política vira um vale-tudo.

Como eu sou daqueles que ainda pensam que a estratégia continua a definir a tática, é necessário para que eu leve a sério o que disse o prefeito em tom solene (“aliança é questão de estratégia”), e para que eu entenda o sentido do que foi dito, ele teria que me tirar uma dúvida: que estratégia?

A de trazer de volta ao governo o grupo Cunha Lima? A de ajudar a eleger Cássio Cunha Lima e Efraim Morais para o Senado? A de reforçar o palanque dos adversários de Lula na Paraíba? E, é claro, todas elas reunidas na mãe de todas as estratégias, que é o limite que a cabeça política de Ricardo Coutinho pode apresentar hoje como projeto de sua candidatura, que é a de renovar a política paraibana. Bela contribuição estratégica nosso prefeito pretende dar ao país com a ajuda dos paraibanos!

Sei não... Se for desse jeito, eu prefiro continuar o velho dinossauro de sempre.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Eleições 2010: Imprevisibilidade no PT

Tenho escutado e lido com alguma freqüência comentários que dão como certa a vitória do deputado estadual Rodrigo Soares no PED (Processo de Eleição Direta) que escolherá, no fim de novembro, a nova direção estadual do Partido dos Trabalhadores na Paraíba.

Os argumentos para justificar essa sentença normalmente são simples, e mais aritméticos do que baseados na análise do funcionamento do PT e de suas disputas internas: como estão com Soares quase todos os grupos organizados do partido, a bancada de deputados estaduais, o vice-governador Luciano Cartaxo, os secretários de governo (Anselmo Castilho, Gilcélia Figueiredo e Rodrigo Freire), além de lideranças como o ex-deputado estadual e ex-presidente do PT Frei Anastácio, todos esses apoios somados determinarão a vitória do deputado estadual petista nessa disputa. Por outro lado, o Deputado Federal e atual presidente estadual do PT paraibano, Luiz Couto, estaria isolado e com o apoio restrito ao seu agrupamento interno, o CNB (Construindo um Novo Brasil), do qual também provém Rodrigo Soares e boa parte dos seus apoiadores. Ou seja, Couto não contaria sequer com a totalidade do seu grupo, o que seria o prenúncio de uma derrota iminente.

O problema é que qualquer análise das disputas internas do PT não deve está restrita ao problema das composições e alianças internas. É preciso ver as influência exteriores ao processo. Especialmente porque, nos últimos anos, e após a vitória de Lula, houve um intenso processo de rearrumação no interior do PT, o que dá a processos como o que está em curso no PT paraibano um alto grau de imprevisibilidade. No PT paraibano, não se trata mais do velho antagonismo entre “esquerda” e “direita”. A chamada “esquerda”, liderada por Frei Anastácio, apóia hoje Rodrigo Soares, cuja origem se localiza – e ainda permanece – no campo que também abriga Luiz Couto e a maior parte dos seus aliados. Da mesma forma que Anísio Maia, outro referencial da esquerda do PT, apóia Luiz Couto.

Não há dúvida que a força que se articula hoje em torno do deputado estadual Rodrigo Soares dá a ele uma vantagem significativa, especialmente em termos de arregimentação da militância. Entretanto, mesmo nesse ponto, não dá para desconsiderar que Luiz Couto conta também com um expressivo contingente de lideranças internas, a começar por ele próprio, que, além de ser o atual presidente, o que lhe permite contato direto e livre trânsito com os presidentes e membros de Diretórios Municipais, é Deputado Federal, o que o torna figura de referência nas negociações com a Direção Nacional do PT e com o próprio Governo Federal, além de ser ele um membro proeminente da Igreja Católica na Paraíba, fato que, não tenham dúvidas, não só teve grande importância na construção da própria liderança política de Couto no estado, como ainda hoje constitui uma sólida base de apoio.

Além disso, se Luiz Couto perdeu o apoio de parte expressiva do seu grupo, conseguiu reaglutinar em torno de sua candidatura, históricas e tradicionais lideranças do PT paraibano, antes dispersas por conta de disputas um tanto autofágicas que marcaram o PT paraibano, exemplo do atual Superintendente do SEBRAE, Júlio Rafael.

Contudo, o mais importante a ser observado nessa disputa é a amplitude do colégio eleitoral: espera-se que, pelo menos, 15 mil eleitores compareçam às urnas no fim de novembro, por conta do debate que ganha a imprensa e tende a se acirrar cadavez mais na medida em que a data da eleição se aproxima. Além de tudo isso, existe as “pressões externas” devido a importância que tem cada vez mais o PT em eleições no Nordeste, por ser o “partido de Lula” e pelo tempo de televisão que dispõe.

Nesse sentido, quanto maior for a participação dos filiados no PED, mais dificuldade no controle do processo terão as forças organizadas sobre os filiados petistas e, portanto, maior o grau de imprevisibilidade dessa disputa. Ou seja, mais do que o militante petista, vai à urna o filiado que acompanha a vida partidária à distância e se posiciona de acordo com os debates políticos que transcorrem na sociedade, especialmente através da imprensa.

Por isso, além de Luiz Couto e Rodrigo Soares, tem relevância nesse embate os aliados candidatos a governador de ambos, Ricardo Coutinho e José Maranhão. Por exemplo. Coutinho ajudaria imensamente Luiz Couto se afastando dos adversários do PT e do Governo Lula (PSDB e DEM), enquanto José Maranhão a Rodrigo Soares sinalizando de forma mais efetiva para os petistas com compromissos programáticos e mais alinhados com o que pensa a esquerda na Paraíba. E os dois candidatos demonstrando com mais clareza as suas diferenças.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Ricardo Coutinho e a aliança com a direita

Apesar da grande flexibilidade com que as alianças da esquerda passaram a ser tratada no Brasil depois da década de 1990, elas não deixaram e nem deixarão nunca de ter importância, especialmente para os partidos que a compõe demarcarem seus objetivos políticos, táticos e estratégicos, além de afirmarem suas diferenças com o conservadorismo. Quando isso deixar de acontecer, a esquerda terá acabado. Foi a ampliação das alianças da esquerda em direção ao centro que, em grande medida, mas não só por isso, viabilizou a vitória de Lula em 2002. Mas, com a vitória de Lula não se extinguiram os adversários, muito menos as diferenças de projetos de nação. Muito pelo contrário, em tempos de "globalização" e dos esforços perpetrados pelo capital financeiro de diminuir a capacidade regulatória dos Estados-nação na antiga periferia do sistema, esse confronto ganhou novos contornos e criou novas bases para a política de aliança da esquerda. A questão nacional é o principal referencial para aglutinar amplos setores da sociedade e em várias partes do mundo, especialmente na América Latina, é a esquerda que lidera essas alianças.

Falar nesses termos nos dias de hoje, ou seja, reafirmar a importância da ideologia na ação política, parece algo totalmente fora de lugar. Os pragmáticos de esquerda e direita comemoram juntos o "fim das ideologias" e se abraçam em alianças sem princípios. Pura pregação ideológica. Já me referi aqui, neste blog, mais de uma vez ao que é chamado na academia de “fim da política”, fenômeno que esteve associado durante um bom tempo à idéia de pensamento único, e expressava algo parecido com a falta de alternativa às políticas econômicas e sociais do neoliberalismo, enfim, daquilo que separou, durante um bom tempo, em termos políticos e ideológicos, a esquerda da direita.

Quando pensamos não existirem mais tais diferenças chegamos ao estado de fim da política, pois esta sempre se fundou, no mundo moderno, isto é, após a Revolução Francesa, no embate de idéias que dividiu a política e os partidos políticos entre aqueles que, genericamente, defendiam mudanças em benefício dos mais pobres, os trabalhadores, e aqueles que defendiam a conservação do status quo.

Essas diferenças, obviamente, não se extinguiram - bem como a própria política – e, cotidianamente, elas teimam em se afirmar, pois tais diferenças não existem apenas no mundo das idéias, elas se refletem com força na vida das pessoas. Esses embates, especialmente na América Latina, ganharam novos contornos e, ouso dizer, tenderão a redefinir tanto as estratégias, como as políticas de alianças, bem como a própria base social da esquerda. Depois da ascensão de Hugo Chaves, na Venezuela, e das sucessivas vitórias de "chavistas" como Evo Morales, na Bolívia, Rafael Correa, no Equador, Daniel Ortega, na Nicarágua e Manuel Zelaya, em Honduras, além das derrotas por pequena margem de votos de candidatos considerados chavistas, como Ollanta Humala (Peru), e Andrés López Obrador (México), sem esquecermos das vitória de partidos da esquerda, digamos, mais "tradicional", como Lula, no Brasil, Michelle Bachelet, no Chile, Cristina Kirchner, na Argentina, Fernando Lugo no Paraguai e Tabaré Vázquez, no Uruguai, é impossível não reconhecer que vivemos uma guinada à esquerda na América Latina, agora com novas características que distinguem esse novo momento do período marcado pela ascensão da esquerda no continente entre os anos 1950 e 1970.

Em todos esses países, foram derrotados os antigos defensores das políticas neoliberais e promotores da agenda imposta pelo Consenso de Washington através do Banco Mundial e FMI. Em todos eles, com mais ou menos intensidade, se reproduziu o confronto entre as antigas classes beneficiárias desse modelo de desenvolvimento, que envolveu amplos setores conservadores da classe média, em geral, influenciadas pelo preconceito de classe, e as populações pobres que não só deram suporte à emergência desse "nova" esquerda, como empurram esses governos para as reformas que há décadas eram apresentadas como necessárias e que, em muitos casos, como foi o caso do Brasil, e mais recentemente na Venezuela e Honduras, um golpe de Estado foi necessário para impedi-las.

Isso é uma novidade histórica sem precedentes, pois, finalmente, representou uma maioria consolidada que está permitindo mudanças dentro dos marcos institucionais. Apesar de todo tipo de questionamento feito pela imprensa conservadora, as mudanças que Hugo Chaves e seus seguidores estão promovendo se fazem no estrito respeito às Constituições e respaldadas por plebiscitos nacionais. Quer mais democracia do que isso?

No Brasil, esse confronto não foi às ruas, muito por conta da habilidade de Lula, mas também pela tendência histórica de se fazerem as mudanças "por cima", ou seja, sob o controle das elites econômicas, o que na sociologia é chamado de "modernização conservadora". Por enquanto, esse é um embate surdo, que se manifesta pela tendência constante da grande mídia em fabricar crises (a mais nova é a de Honduras, tentaram o ENEM, depois outra, e mais outra...). O conservadorismo dessa elite se manifesta e se aprofunda a ponto de, no caso do golpe de Honduras, serrar fileiras contra o governo do seu país num conflito internacional, onde a posição da diplomacia brasileira recebeu mais apoio da imprensa externa do que interna.

O que está em jogo, obviamente, é o aprofundamento das mudanças que não podem ser adiadas rumo a um amplo projeto de desenvolvimento cujo objetivo é, finalmente, distribuir renda e democratizar o acesso aos serviços públicos. Como a maior parte da elite econômica brasileira tem aversão, desde o processo de independência, a qualquer possibilidade de mudança que inclua nela os interesses populares, talvez vejamos esses embates se aprofundarem no Brasil, especialmente se Lula conseguir fazer seu sucessor e procurar aprofundar as mudanças que o Brasil, assim como toda a América Latina, necessitam.

Ricardo Coutinho e a aliança com a direita

Não é por outro motivo que não é só estranho, como insustentável politicamente, a postura do prefeito de João Pessoa, Ricardo Coutinho, de se compor na Paraíba com os adversários desse projeto nacional. As suas justificativas esbarram na fragilidade dos seus argumentos, por estarem única e exclusivamente centrados nos seus objetivos pessoais, que, apesar de legítimos, não podem subordinar os objetivos gerais da esquerda na Paraíba e no Brasil.

É obvio que contribui para essa falta de rigor estratégico na definição das alianças um pragmatismo exagerado, fechado exclusivamente nos interesses pessoais e de grupo, que vai além da flexibilidade necessária na construção dessas alianças, uma exigência do fazer político. Entretanto, é bom não esquecer, sempre em função de objetivos mais gerais desses partidos. Os partidos nascem para representar interesses socialmente determinados. Foi isso que sempre ofereceu sentido à política e despertou tantos interesses e paixões. Se a política se torna um mero jogo de interesses mediado apenas pelos interesses de indivíduos e grupos (políticos e familiares), quem acaba ficando de fora é quem deveria ser o principal sujeito da política e árbitro dos embates políticos e ideológicos quando se trata de eleições, o eleitor, o povo.

Porque, sem critérios que distingam o papel de indivíduo e partidos no interior de cada projeto político, como se as alianças tivessem apenas o objetivo de acomodar interesses distintos na ocupação do aparelho de governo, é justo que devamos considerar como um fato o fim da fronteira que separa os partidos e seus projetos de poder, se justificando pensarmos que a política chegou mesmo ao fim. Entretanto, a disputa política e as diferenças entre esquerda e direita voltam a cobrar, com toda a força, o posicionamento daqueles que pertencem, pelo menos na retórica, ao campo da esquerda. O que representa um incômodo para esses que não querem ser cobrados a respeito de alianças que só se justificam pela sanha indisfarçada e puramente individual pelo poder.

Por conta disso, se justifica perguntar se faz algum sentido político a união de Ricardo Coutinho com Cássio Cunha Lima e Efraim Morais, os dois últimos não apenas pertencentes, mas figuras dirigentes, de dois partidos de direita e que não apenas fazem oposição ao projeto nacional da esquerda, mas aglutinam o que há de pior na sociedade e na política nacionais. Além disso, haveria algum sentido falar em renovação política e em projeto alternativo quando estamos prestes a ver, compondo o mesmo palanque, Ney Suassuana, Enivaldo Ribeiro, Biu Fernandes, Ricardo Barbosa, Manuel Ludgério, Carlos Dunga, figuras proeminentes do conservadorismo político, que, devido a posição de destaque que ocupam nas articulações da candidatura a governador de Ricardo Coutinho, são a própria negação de qualquer projeto de mudança na política paraibana?

Ricardo Coutinho, isso ele já demonstrou em diversas oportunidades, tem uma visão um tanto messiânica de si próprio. Talvez ele ache que, sozinho ou com seu "Coletivo", consiga implantar qualquer projeto de mudança no Estado desconsiderando as alianças. Basta que tenham o poder nas mãos. Apesar de ser essa uma visão de forte apelo popular - os exemplos de messias da política existem para demonstrar o quanto é errado apostar no voluntarismo político, e Fernando Collor é o exemplo mais trágico de uma farsa recente da política nacional -, não há espaço para se realizar, porque o jogo político é um jogo de correlação de forças sociais, é uma disputa que exige o amplo envolvimento da sociedade. O improvável governo de Ricardo Coutinho assumiria, queira ele ou não, as feições dos seus aliados, pelo motivo óbvio de Coutinho governará com eles, e, ao invés de avanço, teríamos retrocesso.

Prefiro acreditar que Ricardo Coutinho, o antigo esquerdista que, quando era petista, chegou até mesmo a questionar a legitimidade das alianças do PT até com os próprios partidos de esquerda, a exemplo do PCdoB, que nos anos 1980 construíram sólida aliança com o PMDB, tenha sido envolvido pela idéia de que, hoje, o pragmatismo não tem limites, e as idéias e os projetos de poder não são nada mais do que objeto de um retórica carcomida em que ninguém mais acredita. É só isso que explica uma mudança tão brusca e repentina de aliados.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Vitória do Rio é vitória do Brasil de Lula

A escolha do Rio de Janeiro como sede da Olimpíada de 2016 é uma vitória de um outro Brasil que Luiz Inácio Lula da Silva fez brotar. De um país sujeito às crises e sempre com o pires da dependência nas mãos a cada abalo no sistema financeiro mundial, o Brasil transita pelo tsunami que está sendo a maior crise do capitalismo desde 1929 como se fosse mesmo uma “marolinha”.

Não custa lembrar: entre 1995 e 1998, durante as crises sucessivas do México, Rússia e Coréia o Brasil chegou a quebrar por três vezes e, em todas elas, teve que recorrer ao FMI para evitar o colapso de uma economia que dependia, cada vez mais, do financiamento externo. E foram crises originadas na periferia do sistema. Em 2008, diferentemente, a crise nasceu no coração do sistema, no centro cíclico da economia mundial e da mundialização financeira, os EUA, e apareceu como uma hecatombe financeira que varreu do mapa empresas e bancos gigantes, e se propagou como um rastro de pólvora por todo o mundo.

Quando Lula se referiu ao impacto da crise no Brasil como uma “marolinha” – um discurso para evitar o pânico e impedir ao máximo o corte dos investimentos empresariais – o que se viu e ouviu dos comentaristas de economia que povoam a grande mídia brasileira foi uma condenação alegre do que dizia o presidente, e todos, quase à unanimidade, fizeram a pregação de sempre como uma receita de combate às crises anteriores: corte nos gastos públicos.

Lula enfrentou-os e, como quem lera Keynes, esse apóstolo renegado das teorias do desenvolvimento recentes, ironizou a todos com a simplicidade de suas sentenças: tal remédio, ao invés de curar, mataria o paciente. Assim, mais do que aumentar o gasto público com amplos programas de obras públicas, o governo reduziu impostos para incentivar o consumo da classe média, ampliou o crédito para as empresas através da intervenção dos bancos públicos, condenou publicamente os empresários que demitiam
trabalhadores, reduziu os juros.

Em suma, Lula quebrou, finalmente, os grilhões que tornavam o Estado brasileiro refém do mercado financeiro e, com toda força econômica acumulada nos últimos anos, conduziu o país para fora de um ciclo vicioso que limitava o crescimento econômico por medo das pressões inflacionárias.

Mais do que isso: Lula iniciou, como quem não quer perder uma oportunidade histórica, uma pregação mundial pela redefinição de um novo padrão de desenvolvimento, por um controle maior dos fluxos financeiros pelos Estados nacionais, por uma nova geopolítica das instituições multilaterais que incluísse as economias em ascensão. Não só por Lula, mas principalmente por ele, o G8 e o Fórum Econômico Mundial, que impuseram as regras de funcionamento do capitalismo nas últimas décadas, darão lugar ao G20. Enfim, o neoliberalismo é hoje um moribundo à espera de um enterro decente e Lula terá a honra histórica de ser um dos seus mais ilustres coveiros.

Foi com esse capital moral que Lula discursou hoje, em Copenhague, na reunião do Comitê Olímpico Internacional que escolheu a sede das Olimpíadas de 2016. E que ninguém pense que foram as belezas naturais e o apoio da população do Rio de Janeiro os responsáveis pela nossa escolha. Isso, sem dúvida, foi importante. Mas, os eleitores do Rio homenageavam, como seus votos, o Brasil que eles vêem vicejar e que tem muito a avançar. Eles homenageavam Luiz Inácio Lula da Silva, o mais brasileiro dos brasileiros.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

A entrevista de Cássio Cunha Lima: Um retumbante vazio de idéias

A entrevista coletiva de ontem que o ex-governador Cássio Cunha Lima concedeu para anunciar seu futuro político criou uma expectativa do tamanho de uma montanha. O jornalista Rubens Nóbrega, numa breve troca de mensagens, me provocou: a montanha acabou parindo um rato?

Antes de expor minha resposta a Rubens, que ele fez referência em sua coluna de hoje, vale uma sucinta análise da entrevista concedida e acompanhada com vivo interesse por aqueles que observam o quadro político paraibano que se forma com vistas as disputas de 2010.

Um retumbante vazio de idéias

O primeiro fato que merece comentário é o malabarismo retórico do ex-governador para se posicionar diante de alguns fatos que expôs, em tom de denúncia, e com os quais ele não parece não ter a menor responsabilidade em aprofundá-los para, se for o caso, debelá-los (problemas com transporte de estudantes, com programas sociais, perseguição política, nepotismo).

Isso ficou patente quando uma repórter perguntou se ele pretendia encaminhar ao Ministério Público as denúncias que estavam sendo feitas. Cunha Lima, aparentemente surpreso diante de uma pergunta tão pertinente para quem manifestou preocupações tão republicanas, tergiversou se limitando a dizer que eram de conhecimento público o que ele estava dizendo. Ora, um ex-governador deve saber mais do que ninguém os procedimentos recomendados nesses casos se as preocupações são mesmo orientadas para o aperfeiçoamento dos serviços do Estado prestados ao cidadão comum, “aquele que mais precisa”.

O vazio das denúncias expõe o vazio de idéias do ex-governador, mostrando algo mais: as férias nos EUA aparentemente serviram apenas para o Cunha Lima conhecer, entre outras coisas, os parques de diversões de lá – o que ele fez muito bem, principalmente na companhia dos seus filhos -, mas, ao que parece, lhes foram de pouca serventia para preencher sua cabeça com novas idéias. Cássio continua tão Cássio quanto antes, como salientou Rubens Nóbrega em sua coluna de hoje.

Diante de um quadro como o descrito pelo ex-governador, valeria a pena que ele fizesse, pelo menos, algumas incursões programáticas e oferecesse algum indício a respeito do que ele pensa de um projeto novo e alternativo. O que ouvimos, ao contrário, foi um discurso carregado com as velhas frases de efeito que não empolgam nem os mais apaixonados cabos-eleitorais, numa retórica que também não convenceu ninguém: nada mais fora de lugar do que Cássio Cunha Lima empunhar a bandeira do novo e do alternativo.

José Maranhão controla a justiça paraibana?

Uma outra “denuncia”, essa mais grave que qualquer outra, foi a de que existe uma perigosa “concentração” de poderes em andamento na Paraíba atribuída ao atual governador, que controlaria o Poder Executivo e, também, o Judiciário. Nesse último caso, pela influência que parece exercer sobre seus pares a esposa do governador José Maranhão, a desembargadora Fátima Bezerra.

Essa denúncia não é nova, mas agora foi reafirmado com muito mais ênfase em várias cadeias de rádio, que transmitiam ao vivo a entrevista. Nesse caso, o pior é nos defrontarmos com os ouvidos de mercador daqueles que foram colocados sob suspeita, ou seja, toda a corte paraibana. De duas uma: ou Cunha Lima tem razão, pois o silêncio dos magistrados denotaria uma verdade subterrânea a que o governador teve acesso, ou ninguém na Corte está preocupado com a imagem de independência do Poder Judiciário paraibano. Alguém, especialmente um ex-governador, acusa o judiciário de parcialidade e envolvimento em um projeto político e fica por isso mesmo?

Por fim, e o mais risível de tudo o que aconteceu ontem durante a entrevista, excluindo o comportamento padrão dos repórteres que se sujeitam a puxar o saco do entrevistado como se fossem cabos-eleitorais, foram os esforços do ex-governador em tentar evitar perguntas sobre definições políticas, como se a imprensa presente tivesse para ali se dirigido apenas para transmitir um comício ao vivo. Faltaram as risadas quando ele afirmou que a única pessoa que só pensa em 2010 atualmente é o governador José Maranhão. Cássio não só pensa em 2010, como pensa em 2014.

De concreto mesmo se levarmos em consideração apenas o que foi dito durante a entrevista, é que a indefinição política permanece, principalmente a respeito da candidatura do senador Cícero Lucena. Abaixo, a mensagem que enviei para Rubens Nóbrega ontem, cujo foco está voltado para o comportamento de Cícero Lucena depois que Cássio Cunha Lima anunciou sua permanência no PSDB e a disposição de unir toda a oposição na Paraíba.

Um Cavalo de Tróia chamado Cássio?

Vamos ver a reação de Cícero, pois é para ele que essa armadilha está preparada. Se Cássio permanece no PSDB, o martírio de Cícero continua e ele vai permanecer com a espada da indefinição da candidatura pendendo sobre sua cabeça, pois o ex-governador reafirmou a disposição de unir "toda a oposição" e "toda a oposição" é a senha para inserir a candidatura de Ricardo Coutinho. Ou seja, a permanência de Cássio é como uma espécie de Cavalo de Tróia para a candidatura de Lucena. Acho que na hipótese de Cunha Lima permanecer mesmo no PSDB (ainda restam 3 dias para a data fatal), o principal objetivo será esvaziar a candidatura de Cícero, tornando-a inócua, ou "matá-lo" pelo cansaço. Nos dois casos, Lucena será o grande perdedor, e se Serra não se elege presidente, não lhe restará outra alternativa a não ser esperar seu mandato acabar.


Resta a Cícero Lucena, para evitar esse destino mais que previsível, forçar o rompimento com Cássio Cunha Lima para que ele possa, finalmente, se firmar como candidato a governador. Depois disso, como estratégia de campanha inicial, Cícero pode colar seu nome no do presidenciável José Serra e buscar os votos antilulistas de parte da classe média paraibana que, somado aos seus votos pessoais, pode constituir um bom patamar para iniciar uma campanha. Se o senador não levar em conta que é o seu futuro que está em jogo e continuar marcando passo, esperando uma definição de Cássio a seu favor, ao final desse processo (lá pra março ou abril do próximo ano), ele tem uma grande chance de ser mais uma vítima do fenômeno da "cozetização", e se desfigurará politicamente até virar cinza.

O único movimento que resta no tabuleiro das definições sobre 2010 é o de Cícero Lucena. E ele tem até 3 de outubro para executá-lo.

Vamos esperar.