sábado, 26 de dezembro de 2009

Resultado da enquete: 61% acham que Serra será candidato "até o fim"

21 dos 34 leitores/as deste blog que votaram na enquete "Você acha que José Serra será o candidato a Presidente ou ele desiste antes da convenção do PSDB?", que ficou 5 dias no ar, acham que o Governador de São Paulo é candidato à Presidência da República "até o fim". Isso representou 61% dos votantes, que só tinham direito a 1 voto. 38% (13 leitores), entre eles o autor deste blog, acham que José Serra desiste antes.

Estou pensando em fazer uma outra enquete, agora sobre a Paraíba. Como eu estou em dúvida sobre se um dos 3 candidatos a governador desiste antes das convenções, talvez eu pergunte novamente aos leitores do Pensamento Múltiplo o que eles/as acham. Como eu não tenho dúvidas que Cicero Lucena não desiste, e José Maranhão também não...

Voto espontâneo: esse é o número que atormenta Serra

Reproduzimos abaixo postagem do Blog Escrevinhador, do jornalista Rodrigo Viena, com uma analise de um dos aspectos da última pesquisa Datafolha que a FSP e nenhum órgão do PIG deu destaque, mas que é essencial para entendermos os números mais relevantes em uma pesquisa feita há mais de 10 meses da eleição: o voto espontâneo. Uma análise a respeito de um conjunto de aspectos que sustentavam não só a viabilidade de Dilma Roussef, mas seu favoritismo - entre eles os resultados das pesquisas espontâneas - foi feita aqui no blog há pouco mais de 2 meses (confira aqui).


VOTO ESPONTÂNEO: ESSE É O NÚMERO QUE ATORMENTA SERRA (Por Rodrigo Vianna)


No domingo, o UOL (que pertence ao grupo "Folha") passou horas com uma manchete que parecia feita sob encomenda para o governador de São Paulo: "Serra vence Ciro e Dilma no segundo turno, diz DataFolha".

Ok. Isso é fato. O "DataFolha" mostrou mesmo grande vantagem de Serra sobre os adversários num eventual (e ultradistante) segundo turno da eleição presidencial em2010.

Outro fato: Serra foi editorialista da "Folha". Era tratado com carinho especial pelo velho Frias. E retribuiu, dando o nome do patriarca da "Folha" para uma ponte e um hospital em São Paulo. Carinho com carinho se paga!

Tudo isso é fato.

Mas o fato mais importante a "Folha" escondeu.

A dez meses da eleição, qual o número mais importante numa pesquisa? Aquele que indica a intenção espontânea de voto.

Vocês prestaram atenção ao voto espontâne no último "DataFolha"? Talvez, não. Até porque os números ficaram escondidos. Eu só achei no blog do Fernando Rodrigues (que, apesar de trabalhar na "Folha", não briga com os fatos) - http://uolpolitica.blog.uol.com.br/.

Aqui, o trecho em que Fernando fala sobre a pesquisa espontânea, seguido pela tabela que ele publicou em seu blog...

"(...) cumpriu-se a profecia lulista segundo a qual Dilma Rousseff seria uma candidata competitiva em dezembro de 2009 (tese sempre repelida por tucanos). Mas é agora que o jogo começa de fato. Um indício é a pesquisa espontânea do Datafolha, quando os entrevistados apenas são indagados sobre em quem desejam votar, mas sem ver os nomes dos possíveis candidatos. Em agosto, 27% respondiam que votariam em Lula (o presidente não é candidato). Hoje, o percentual de Lula caiu para 20%. Um sinal de que parte do eleitorado lulista está percebendo que a eleição está chegando –até porque o percentual espontâneo de Dilma passou de 3% para 8%, empatando com Serra:

Volto eu.

Deixem Lula de lado, provisioriamente.

Reparem que - mesmo assim - a soma de votos em "Dilma", no "candidato do PT" e no "candidato do Lula" bate em 12%.

Serra tem 8%. Se somarmos os votos em "Aécio" e "Alckmin", teríamos os mesmos 12%.

Serra é o líder na pesquisa estimulada. Mas na espontânea ele patina.

Tudo isso sem levar em conta que Lula hoje teria 20% dos votos!

Hoje, esse é o número que atormenta Serra. E pode fazer com que ele desista da candidatura presidencial. Ainda mais sabendo que, se perder para Dilma, Alckmin (ou Ciro, com apoio do PT) pode asumir o governo paulista.

Seria o fim para ele.

Serra só será candidato se tiver coragem para desafiar o destino. Pra ele,é tudo ou nada.

Os números da espontânea indicam que há grande chance de a liderança de Serra se esfarelar. "Tudo" pode virar "nada" antes de a Copa do Mundo chegar.

Quem conhece Serra sabe que ele não é dado a correr esses riscos.

Veremos em breve.

Aécio pode ser chamado de volta em março. E ainda há FHC, a espreitar o Brasil de algum lugar do passado. Quem sabe ele não se anima a empunhar a bandeira tucana, se Serra também desistir. Seria divertido...

Aliás, pergunta: FHC não é citado na pesquisa? Teve menos de1%? Ou ficou embolado com Eymael ali entre os "outros"?

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

AS OPÇÕES DE VENEZIANO

O Prefeito de Campina Grande, Veneziano Vital, tem adotado estratégico silêncio sobre que posição assumirá nas eleições de 2010. Enquanto todos os outros sujeitos envolvidos na disputa do próximo ano se movimentam sob os holofotes da imprensa, e tem esquadrinhadas suas opções em textos e análises políticas que tentam expor ao debate público as entranhas de suas decisões, Veneziano deixa em suspenso – e a todos em suspense, aliados e adversários – que papel desempenhará nas eleições do próximo ano. Exercita uma das virtudes que mais devem ser apreciadas no comportamento de um político: a paciência.

Sabedor de sua limitada capacidade de ação – é filiado a um partido que já dispõe previamente de um candidato que está sentado na cadeira de Governador do Estado, – Veneziano não pode, como claramente e legitimamente deseja, sair em campanha para governador estado a fora, o que cindiria seu grupo político e, certamente, enfraqueceria a todos, inclusive a ele próprio.

Com a idade que tem, Veneziano já conquistou, com a brevidade daqueles que, como diria Maquiavel, tem a fortuna a seu lado, a condição de segunda liderança mais importante de um partido de onde saíram as principais lideranças políticas nos últimos 20 anos – todos os governadores de 1986 para cá ou se elegeram pelo PMDB ou a esse partido foram filiados, – e que detém, por isso mesmo, uma estrutura partidária sólida e espalhada por todo o estado.

Veneziano, nesse sentido, foi ajudado pela atabalhoada ação do também jovem e até então ascendente Prefeito de João Pessoa, Ricardo Coutinho, que preferiu apressadamente o aconchego dos braços de tradicionais adversários políticos conservadores num Nordeste cada vez mais lulista e, portanto, cada vez mais à esquerda, demonstrando que Coutinho tinha a fortuna das circunstâncias ao seu lado, mas não a virtuosidade política maquiavélica.

Diante dessas circunstâncias, se continuar sabendo se posicionar no tabuleiro político paraibano, Veneziano poderá ocupar, em breve e sem antagonistas, o espaço que hoje exerce o governador José Maranhão que, pela idade e por não ter herdeiros à altura, será obrigado a passar o bastão dessa liderança quando terminar seu governo em 2014. E se José Maranhão se reelege no próximo ano, o prefeito campinense é o político mais provável, na linha de sucessão do PMDB, a reivindicar o recebimento desse bastão.

Entretanto, como já disse, Veneziano tem que demonstrar mais uma vez ter a virtuosidade política que falta a alguns para evitar dar um passo errado em 2010. Como é obvio, o Prefeito de Campina Grande tem duas opções: terminar sua gestão na Prefeitura ou renunciar a isso para ser candidato na eleição do próximo ano.

A primeira opção traz consigo a vantagem de permitir a conclusão do projeto administrativo e consolidar definitivamente sua liderança na Rainha da Borborema. Entretanto, o grave problema que enfrenta hoje Veneziano é a ausência de lideranças com capacidade de aglutinação e visibilidade suficientes para enfrentar a disputa sucessória em 2012, que, acho, deve ser contra o próprio Cássio Cunha Lima, que não deve querer arriscar mais uma derrota na cidade que ele considerava seu feudo, e que é estratégica para o seu projeto de retornar ao governo em 2014.

Uma derrota para eleger o sucessor pode, além de enfraquecer sobremaneira o projeto de se tornar governador, porque se converterá numa derrota pessoal, forçará Veneziano a conviver com a distância do poder exatamente no momento em que o jogo sucessório entra na sua fase decisiva, os dois últimos anos até o pleito. Igualmente, uma derrota para um adversário histórico e potencial concorrente ao cargo de governador, pode também atiçar o interesse de outros pretendentes ao cargo dentro do seu próprio agrupamento político.

Por outro lado, a hipótese de vitória de um candidato, a ser construído desde já, apoiado por Veneziano Vital para sucedê-lo não pode ser descartada, especialmente diante das vitórias de José Maranhão e Dilma Roussef. Vislumbremos essa hipótese: com as três máquinas administrativas (Prefeitura, Governo do Estado e Governo Federal) atuando para viabilizar a conclusão de um projeto administrativo que consolide o trabalho em andamento e viabilize sua ampliação, aliada à escolha de um candidato que seja capaz de agregar setores importantes da cidade a esse projeto político, constituem condições básicas para a construção de uma candidatura viável. Nesse projeto, acredito ser essencial fugir das armadilhas do debate político centrado na paixão que desperta o interesse eleitoral dos grupos políticos campinenses, que marcaram os últimos pleitos e dividiu a Rainha da Borborema ao meio, e deslocar o foco desse embate na direção de projetos de governo e modos de governar, aspectos que não interessam nem de longe aos Cunha Lima.

Como se vê, caso se considere as possibilidades acima, a permanência no cargo deixará Veneziano à mercê das contingências apontadas e se converterá a construção desse projeto em um exercício de verdadeira engenharia política. A virtuosidade de Vital do Rego será colocada à prova.

A segunda opção – candidatar-se em 2010 – obrigará Veneziano Vital a tomar antes uma decisão a respeito de qual cargo concorrer: Senador ou vice-governador? Não se trata de uma decisão fácil, já que eu acho que a vitória do projeto futuro de Veneziano Vital está intimamente associada à vitória de José Maranhão, em 2010, o que passa pelo papel que ele desempenhará na chapa majoritária para agregar votos a ela, atraindo não apenas o eleitor campinense mas também o eleitor jovem do estado. Neste sentido, a candidatura a vice poderia viabilizar essa associação de maneira mais direta e, pelo menos para José Maranhão, seria a mais interessante.

Entretanto, em termos de futuro, ser Vice-Governador deixaria Veneziano com os movimentos excessivamente limitados e preso a um cargo que, como se sabe, não dá poder algum a quem o ocupa, a não ser que o governador esteja disposto a oferecê-lo. Além disso, tem o PT, que, como já foi analisado aqui, não dispõe de candidatos competitivos para o Senado, restando o cargo de Vice-Governador, que tem como postulante mais provável o atual vice, Luciano Cartaxo, cuja posição Veneziano tem habilmente ajudado a fortalecer.

Primeiro, porque Veneziano sabe que essa decisão não será tomada no curtíssimo prazo; segundo, ele evita, com isso, um conflito desnecessário, mantendo o PT como potencial aliado agora e no futuro – é bom não esquecer que quem se eleger Vice-Governador em 2010 na chapa maranhista provavelmente assumirá o governo se, na hipótese de uma vitória no próximo ano, José Maranhão se afastar para concorrer ao Senado. O Vice-Governador desempenhará, portanto, papel-chave na eleição seguinte. Para Veneziano, um candidato a vice como Cartaxo, por enquanto sem grandes ambições políticas, tem o perfil ideal para evitar possíveis confrontos caso, no cargo de Governador, comece a ter pretensões de se reeleger.

Já a candidatura ao Senado daria a Veneziano muito mais visibilidade política, inclusive com potencial possibilidade de projeção nacional. Além de advogado de formação – atributo importante para quem é parlamentar, – Veneziano é jovem e eloqüente, qualidades apreciadas pela grande mídia. E mais: num eventual governo de Dilma Roussef, onde os embates políticos tendem a se acirrar na sociedade e no Congresso, e caso as projeções que indicam que os prováveis eleitos hoje seriam Cássio Cunha Lima e Veneziano Vital, o Senado pode se converter num privilegiado espaço para o embate entre os dois prováveis oponentes em 2014, isso caso Cunha Lima aceite ir para o confronto.

Agregue-se isso o fato de que um dos objetivos do Presidente Lula em 2010 será conquistar ampla maioria no Senado, o que torna estratégica a formação de chapas competitivas para o aquela casa – eis mais um grave erro de avaliação cometido por Luiz Couto: imaginem, numa disputa que tende a ser plebiscitária em 2010, uma chapa Veneziano-Luiz Couto? Dependendo da campanha – lembremos 1986 – a candidatura de Cássio Cunha Lima estaria em risco com grande possibilidade ser engolida pela polarização nacional. Tem gente que só sabe ser peça no xadrez político...

Com as limitações de quem não vive a política estadual “por dentro”, imagino que sejam essas as alternativas de Veneziano. E ouso repetir aqui o que já disse a um dos assessores mais próximos do Prefeito de Campina Grande: “olhem o cavalo passando celado!”

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

"UNIR A OPOSIÇÃO": QUANDO ALIANÇA COM A DIREITA TEM OUTRO NOME

A felicidade de Efraim e a simpatia do Mago. Eles dois se merecem?

Foto de Haceldama Borba retirada do Blog do Clilson


O argumento do prefeito Ricardo Coutinho, que tenta justificar sua aliança com o DEM (ex-UDN, ex-ARENA, ex-PDS, ex-PFL), buscando estabelecer um sinal de igualdade entre as alianças estaduais ou nacionais e as alianças que os partidos fazem nas pequenas cidades do interior da Paraíba, com suas particularíssimas especificidades políticas, é uma maneira de reduzir e empobrecer mais ainda o debate sobre o sentido da política e das alianças partidárias.

Coutinho, ao que parece, entrou no perigoso terreno viscoso do vale tudo retórico, onde o embate de idéias se converte em mero jogo de palavras, e onde a busca de convencer com a solidez do argumento se desfaz num sofrível palavreado que tem clara intenção diversionista. A finalidade é uma só: desviar a atenção do cidadão comum com informações e dados aparentemente coerentes para apresentar uma tese com ares de axioma, mas cujo resultado pretende evitar o debate de fundo sobre as motivações para mudança tão abrupta no comportamento político do atual Prefeito de João Pessoa.

Quando Coutinho argumenta que a atual aliança do PSB com o DEM na Paraíba se justifica porque, em várias cidades do interior uma diversidade de partidos se uniu numa diversidade de alianças, ele está propondo que a lógica estadual e nacional se inverta, para ser ajustada à lógica paroquialista, localista, onde os embates estabelecidos se desenvolvem exclusivamente ao sabor de contingências locais e, em muitos casos, as diferenças e opções partidárias não tem qualquer relação com posturas programáticas. Mais ainda, que o debate a respeito da natureza e dos projetos antagônicos dos partidos se ajustem aos projetos pessoais e as conveniências de cada um.

Por que essa aliança feita com do PSB com o DEM é impossível nacionalmente? E por que o PT, a priori, rejeita tão enfaticamente esse ajuntamento com PSDB e DEM? Porque, nesse âmbito, discutem-se modelos de país e se confrontam projetos de hegemonia, ou será que Coutinho concordaria em estabelecer um sinal de igualdade entre o governo de FHC e Lula?

O PSDB e o Dem não são meros adversários contingenciais, são adversários históricos. Eles representam a trajetória de um embate que não começou agora, nem há 20 anos. Nos termos de hoje, esse embate começou desde que Getúlio Vargas iniciou seu segundo governo e começou a confrontar os interesses do capital estrangeiro e das classes a ele associadas; ele se reforçou na campanha pelas Reformas de Base, no governo Jango, e se cristalizou no Golpe Militar de 1964, se prolongando nos 20 anos que se seguiram, quando o Brasil foi dividido entre os que o amavam e os que deveriam deixá-lo – muitos à força, assassinados que foram pela tortura nos porões da ditadura.

Diante do que disse o alcaide sobre sua aliança com o Dem (“aliança se faz entre os diferentes”, mais uma dessas obviedades inúteis que ultimamente povoam a política paraibana), foi impossível impedir a sensação de túnel do tempo, acompanhado de um desejo incontrolável de rir que só quem militou na esquerda nos anos 80, e no movimento estudantil, em particular, sabe do que eu estou falando. O que gente como Ricardo Coutinho falava a respeito de alianças naqueles anos, inclusive a que foi feita para derrotar a ditadura, destoa de tal maneira com o que ele defende hoje, mas é, ao mesmo tempo, tão coerente, que pode representar um giro de 360 graus. O tempo talvez seja mesmo o senhor da razão, mas nesse caso ele exagerou.

Ricardo Coutinho, com sua propensão ao comportamento de autolouvação, que marcou muitos petistas desde esses tempos, parece acreditar que existe sobre si um manto da idolatria que o torna impermeável à crítica e, ao mesmo tempo, torna todas as suas atitudes justificáveis em si mesmas. Não são. E o motivo é que Ricardo Coutinho representa algo mais do que ele pensa sobre si mesmo ou sobre sua visão messiânica de se colocar acima dos partidos e dos grupos que o apóiam. Ele representa (ou representou) uma tradição, um esforço conjunto de pessoas e gerações que tornou possível que alguém como ele, de classe média e, portanto, sem posses ou prestígio social para tornar possível sua ascensão política, a não ser pelo esforço pessoal e dedicação a uma causa – e foi por isso que tantos se juntaram a ele nessa empreitada, arrebatados por um projeto maior, – galgasse a posição de liderança incontestável na política paraibana que ele tem hoje.

Por isso, "Unir a oposição", como ele chama a aliança do PSB com o DEM e o PSDB, é um eufemismo para justificar a ausência de debate sobre o conteúdo dessa aliança que Coutinho deseja realizar para 2010, e reduzir ao mínimo as diferenças – se é que elas existem mesmo – não apenas ideológicas e políticas, mas programáticas: que projeto Ricardo Coutinho vai apresentar que possa ter a concordância de Efraim Morais? No final das contas, ou tudo será considerado tinta no papel que, como sempre, aceita tudo, ou eles sempre falaram a mesma língua, só que em tom e em termos diferentes. Vamos ver.

Até o Datafolha reconhece o crescimento de Dilma Roussef. Diferença, que já foi de quase 40%, chega a 14%. VOTE NA ENQUETE ACIMA!

O mais estranho nessa pesquisa do Datafolha divulgada ontem é o registro do crescimento de 1 ponto de José Serra, mesmo depois do "alagão" em São Paulo e do "mensalão do Dem". E Dilma, como se previa, ultrapassou os 20 pontos antes do fim de 2009 e deve se aproximar do patamar dos 30% até março. Hoje, a diferença está em 14%, mas pode ser bem menor dentro da variação da margem de erro da pesquisa do Datafolha - 10%, como identificou a CNT-Sensus há um mês.

É bem provável que antes das convenções fique registrado um empate técnico entre José Serra e Dilma Roussef e a polarização, o horror do PSDB, efetivamente se estabeleça para caminharmos, como quer Lula e o PT, para uma eleição plebiscitária.

Aécio Neves já pulou fora do barco. Resta saber se José Serra vai arriscar tudo nessa disputa ou vai tentar se manter no cargo de governador de São Paulo por mais 4 anos, esperando um outra oportunidade. Só que em 2014, o candidato pode ser o próprio Lula, com Copa, Olimpíada, Pré-Sal e a consolidação de um novo projeto de desenvolvimento para o país. Parafraseando Lula, nunca na história desse país a vida da direita foi tão difícil...

Por isso, não deixe de votar na enquete sobre se José Serra será mesmo o candidato a presidente do PSDB.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Xadrez e política na Paraíba: quem é jogador e quem é jogado

É mais do que comum a analogia entre o xadrez e a política. Um amigo meu, obcecado tanto por um quanto por outro, já me afirmou que pensa a política como um tabuleiro de xadrez. É claro que eu considero essa afirmação um exagero, pois a relação entre o enxadrista e o político só é possível para poucos, ou seja, para aqueles que são capazes, pela sua liderança ou poder político, de dispor e organizar suas ações controlando as peças e movimentando-as de acordo com seus objetivos táticos e estratégicos. Assim, quem não dispõe dessa qualidade não joga na política, é jogado; quem não dispõe de força para controlar e organizar seu jogo, é peça a ser movimentada no tabuleiro.

Assim como no xadrez, na política os movimentos dos jogadores são pensados no médio e longo prazos, tendo em vista encurralar o Rei do adversário para proporcionar-lhe um xeque-mate. No jogo eleitoral para governador (no tabuleiro estadual), as partidas tem duração de quatro anos e se iniciam antes de cada embate eleitoral, quando as peças são dispostas no tabuleiro. O resultado dessas eleições representa um estágio onde cada jogador conquistou posições, avançou pelo centro do tabuleiro, anulou ou capturou peças. Essa vantagem inicial, proporcionada pela vitória eleitoral, não quer dizer que o xeque-mate seja apenas uma questão de tempo. A imprevisibilidade é mais uma característica que assemelha o xadrez à política: movimentos errados ou ousadia excessiva, por exemplo, são fatores que podem produzir efeitos de médio e longo prazo que também podem tornar uma vitória certa numa derrota iminente.

No xadrez político paraibano, a disputa de 2010 começou com os resultados de 2006, quando cada jogador (Cássio Cunha Lima e José Maranhão) conquistou posições estratégicas no Governo do Estado, na Assembléia Legislativa, no Congresso Nacional e nas prefeituras. A vantagem cassista em 2006 foi apenas contingencial, na medida em que sua vitória ficou sub júdice. Nas eleições de 2008, a vantagem maranhista foi evidente com a conquista dos principais colégios eleitorais do estado, o que consolidou sua posição, dando evidente vantagem no tabuleiro a José Maranhão quando este voltou a assumir o governo da Paraíba.

Como hábil enxadrista político, Cunha Lima percebeu, antes de ser definitivamente afastado do governo, o provável desfecho que ameaçava-lhe não apenas a partida em andamento, mas sua condição de jogador, e não foi por outro motivo que a estratégia colocada em prática por ele, ainda antes da eleição de 2008, esteve e continua centrada em dividir o bloco de apoio do governador José Maranhão para montar um palanque que gere alguma expectativa de poder. E Ricardo Coutinho aceitou ser peça-chave nesse tabuleiro político.

Primeiro, Cunha Lima, ainda no governo, tentou enfraquecer a até então compacta defesa de José Maranhão, organizando um ataque pelos flancos à uma das torres (Ricardo Coutinho) do tabuleiro maranhista. José Maranhão, como bom jogador defensivo, resistiu como pôde às investidas adversárias até que, quando assumiu o governo, entregou finalmente, e com alguma resistência, a Torre, cujo posicionamento até então era inútil tanto para ataque quanto para defesa; Maranhão promoveu o roque deslocando as defesas para o outro flanco do tabuleiro, movimento que não só protegeu seu Rei, até então desguarnecido pela dúvida se José Maranhão voltaria ou não ao governo, mas também permitiu abrir o jogo para a outra torre (Veneziano Vitall), também imobilizada.

Foi só depois desses movimentos que José Maranhão partiu para o ataque às combalidas defesas cassistas, começando por tomar um por um os seus peões (prefeitos de pequenas cidades). Esse ataque foi combinado com um cerco à Rainha cassista (o presidente do PSDB, Cícero Lucena), que, apesar de imóvel no tabuleiro, ocupava posição estratégica. Sem ela, Cunha Lima não cria as condições para reorganizar suas defesas e partir novamente para o ataque.

A maior dificuldade de Cunha Lima é que ele não é mais senhor do seu tabuleiro e algumas de suas peças não o obedecem mais como antes. E por mais que tente deslocá-las para abrir caminho para a Rainha cumprir o papel na estratégia planejada desde o início, essa peça-chave permanece imóvel. Cunha Lima sabia que, ao conquistar uma das Torres maranhistas, ele não poderia manter sua Rainha, sendo obrigado mais à frente a promover o seu sacrifício. Seria uma troca a contra-gosto, pois a fragilidade do jogo cassista não comporta perdas, especialmente de uma Rainha. Mas, apesar de uma jogada de risco, ela foi calculada.

Entretanto, a Rainha resiste, e se recusa a cometer o suicídio para proteger o Rei, por mais que Bispos e Cavalos abram deliberadamente o caminho para enfraquecer a posição da Rainha, desprotegendo-a. O problema da estratégia cassista é que a Rainha, com mobilidade e vida própria que tem hoje, não obedece ao comando do ex-governador, mas ao de outro jogador com o qual compartilha uma outra estratégia: José Serra. E José Serra não sacrificaria uma Rainha, mesmo que frágil, a troco de nada. É bem verdade que, no caso José Serra, Lucena é, no máximo, um Cavalo do seu tabuleiro.

O problema é que agora a ex-Torre maranhista, num movimento atabalhoado, meio desesperado, à semelhança do sujeito que, de tanta sede, passa a enxergar miragens no deserto, deixou-se capturar por Cunha Lima e começa agora a cobrar a fatura de um acordo que ainda não se cumpriu. A citada Torre foi atraída para o suicídio no tabuleiro maranhista pela promessa de mudança partidária de Cássio Cunha Lima e, em seguida, pelo anúncio do apoio a Ricardo Coutinho, movimentos ansiosamente esperados tanto por cassistas esperançosos de voltarem ao governo já em 2010, quanto por petistas-cassistas e por ricardistas que já saboreavam a sensação de pisar nos tapetes do Palácio da Redenção.

A primeira parte da promessa não foi cumprida, para desalento de todos. Mas, já era tarde demais para a Torre recuar: capturada, ela já estava muito bem guardada entre as peças cassistas, pois, como se sabe, as regras não permitem recuos de jogadas. Tocou na peça tem que movimentá-la. A Torre, assim, teve que engolir, meio a contra-gosto, uma promessa de aliança com o PSDB. Mesmo isso mostrou-se uma promessa vazia, pois foi um peixe que Cunha Lima vendeu e, ao que parece, não vai poder entregar. Resta, para contrabalançar, um presente de grego, o Dem, que Coutinho recusou o apoio em 2008, quando despachou o Senador Efraim Moraes no momento em que ele se ofereceu para apoiar o projeto de reeleição do atual prefeito de João Pessoa no ano passado.

Agora, até o Dem é empurrado, e aceito, para a seara ricardista, o que me faz lembrar um adágio popular: onde passa um boi, passa uma boiada. Para aumentar o pesadelo ricardista, agora que está mais do que claro que o PT é peça de outro tabuleiro, o maranhista, só lhe restando as companhias conservadoras, porque com a definição do Dem é mais que provável que também o PCdoB consolide seu apoio a José Maranhão, sendo só uma questão de tempo a formalização. Coutinho, para a tristeza de todos aqueles que acreditaram que sua liderança poderia se conformar em uma alternativa política à esquerda, será isolado no flanco à direita do tabuleiro

Vamos ver se nos próximos dias, a segunda parte do acordo será, finalmente, concretizada, que é a publicização do apoio de Cunha Lima a Coutinho. Mas, mesmo que venha a se concretizar, ainda assim será só pela metade. Ricardo Coutinho, por conta da resistência de Cícero Lucena, pode conquistar o apoio só de boca do ex-governador durante a campanha, pois dificilmente terá o apoio formal do PSDB. E, em tempos de fidelidade partidária é o próprio Cássio Cunha Lima que não pode apostar tudo na perigosa estratégia de entregar a cabeça de Cícero Lucena numa bandeja de prata a um inimigo pessoal e político: ele corre o risco de perder a legenda...

Como Coutinho reagirá ao prêmio de consolação ou ao presente de Natal cassista? Só resta desejar muito boas festas ao Prefeito! E em que companhias!

Para completar, considerando que as coisas nunca estão ruins o suficiente que não possam piorar, sem Cunha Lima como um dos seus candidatos formais, é provável que Ricardo Coutinho tenha como companheiros de chapa majoritária figuras de alta estirpe na política paraibana, a exemplo de Efraim Moraes, do Dem, e Ney Suassuna, agora no PP, e Carlos Dunga, do PTB, para formar o trio que encarnará o verdadeiro espírito alternativo da renovação! Eis uma chapa que tem a cara da mudança!

Será mesmo uma campanha gloriosa! Ave Ricardo!

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Ainda sobre o Pacto Hitler-Stálin‏

Não era minha intenção tratar aqui da polêmica discussão que envolve o “Pacto Hitler-Stalin”, discussão levantada surpreendentemente pelo prefeito de João Pessoa, Ricardo Coutinho, para justificar sua aliança com o ex-governador Cássio Cunha Lima, do PSDB. Rubens Nóbrega fez referência, ao abordar a questão em sua coluna, a um presumível "ato falho" do prefeito. Comentando essa coluna, escrevi a Rubens tentando diferenciar "pacto" de "aliança". Hoje, em resposta, um dos inteligentes leitores do colunista do Jornal Correio, o sr. José Mário Espínola, discordou de minhas observações, o que me fez escrever, em resposta, o texto abaixo que se transformou nesta postagem. Vamos a ela.

Não se pode questionar o antagonismo ideológico, que, não muito raro, se expressava em confrontos de rua mundo afora, entre Nazi-Fascistas e Comunistas durante os anos 1930. A Guerra Civil Espanhola foi uma dos mais sangrentos capítulos desse confronto. Pode-se discutir muita coisa, menos o anticomunismo de Hitler e do Nazismo. E esse era um fato que, inquestionavelmente, aproximava os Nazistas das potências liberais, interessadas em estimular uma guerra entre Alemanha e URSS.

Inglaterra e França não apenas fizeram “vista grossa” a toda sorte de provocações dos Nazistas, como as anexações da Áustria, da Renânia, dos Sudetos thecos, esta, inclusive, com a concordância expressa da França e da Inglaterra quando assinaram com a Alemanha o Tratado de Munique que a ratificou, e depois a anexação da própria Thecoslováquia, nesse caso em claro desacordo com o que determinava esse mesmo Tratado de Munique. O Tratado de Munique mostrou aos alemães, mas também aos soviéticos, a indisposição para a guerra daqueles que a derrotaram e a humilharam a Alemanha na Primeira Guerra Mundial, permitindo que nações sem condições de resistir ao exército nazista fossem entregues à própria sorte. Ou seja, a atitude das grandes potências européias, e mesmo dos EUA, em relação à Alemanha nazista foi marcada pelo que se convencionou chamar à época de Realpolitik, uma postura diplomática baseada excessivamente no pragmatismo dos Estados-nação hegemônicos.

O que esses países não compreenderam, como acentua o historiador inglês Eric Hobsbawm, era o comprometimento do nazi-fascismo com a destruição dos valores e das instituições da “civilização ocidental”, construídos após a Revolução Francesa, aos quais pertenciam tanto o comunismo quanto o liberalismo político. Por isso, nenhuma aliança dessas tradições era possível com o Nazi-fascismo e apenas a sua derrota as faria sobreviver. Os soviéticos compreenderam isso logo; as potência ocidentais demoraram um pouco mais. Seguindo essa linha apaziguadora, essas potências não apenas mantiveram uma postura passiva diante do avanço das tropas alemãs, como chegaram mesmo a fazer acordos secretos com os Nazistas, como o que a Inglaterra fez com a Alemanha, sem o conhecimento da França, para permitir o início da reestruturação da Marinha alemã, o que era proibido pelo Tratado de Versalhes, bem como a explícita colaboração americana com os nazistas em várias frentes, até 1941.

Na linha inversa à postura das potências ocidentais, não esqueçamos que antes do pacto assinado por Von Ribbentrop, da Alemanha, e Vyachelav Molotov, da URSS, a III Internacional Comunista, liderada e mantida pelo Partido Comunista da URSS, pouco mais de 1 ano depois da ascensão dos Nazistas ao poder na Alemanha, em 1933, passou a defender a política de “frente popular”, o que significava uma ampla união mundial contra o nazi-fascismo; Stálin tentou, antes de realizar seu pacto com Hitler, uma “aliança” com França e Inglaterra contra a Alemanha, proposta rejeitada pelos dois países por conta da política de “apaziguamento” com os Nazistas.

O que a URSS percebeu foi que não poderia depender de qualquer apoio ocidental contra a Alemanha, sendo o Pacto de Não-Agressão celebrado entre Hitler e Stálin o reconhecimento explícito disso. Para a Alemanha interessava manter sua estratégia de derrotar primeiro o Ocidente, para depois cuidar da URSS, evitando o erro cometido na Primeira Guerra de lutar em duas frentes simultaneamente. Para além das conquistas territoriais asseguradas, o que a URSS precisava era de tempo para organizar suas forças e isso ela conseguiu com o Pacto de Não-Agressão e com ações que não deixavam dúvida que a URSS, caso precisasse, iria à guerra.

E foi só depois da invasão da Polônia que Inglaterra e França perceberam que os objetivos de Hitler incluía um confronto global, e não só com a URSS. Depois da invasão da Polônia, a URSS anexou também a Letônia, a Estônia e a Lituânia, fortalecendo suas posições contra o futuro inimigo. Stalin sabia que Hitler não cumpriria os acordos e as respostas soviéticas a cada um dos movimentos do seu oponente indicavam que, se a Alemanha queria guerra, ela teria.

Voltada para a Frente Ocidental, a Alemanha avançou primeiro sobre a França, a quem ela conseguiu derrotar com surpreendente facilidade e rapidez, e depois sobre a Inglaterra, objetivo que Hitler esteve prestes de conseguir, não fosse a resistência da aviação britânica que permitiu que a Inglaterra resistisse até que os EUA decidissem finalmente entrar na guerra. Tendo apenas parcialmente atingido seu objetivo estratégico inicial – o que foi decisivo, pois ao não derrotar a Inglaterra, Hitler permitiu que ela fosse usada como “cabeça-de-ponte” para as tropas americanas na invasão da Normandia, – só então Hitler voltou-se contra a URSS, invadindo-a. Ou seja, sem querer ser professoral, o Sr. Espíndola esqueceu desse detalhe importante: a Operação Barba Roxa só se efetivou dois anos depois do ataque à Polônia e um ano depois do início dos ataques à França e Inglaterra. Entretanto, os seus preparativos anteriores confirmam apenas como a avaliação da URSS estava correta em ganhar tempo para enfrentar a invasão iminente por parte da Alemanha. O Pacto Hitler-Stálin foi o que viabilizou isso ao permitir, por exemplo, que a URSS protegesse seus domínios avançando suas defesas pelos territórios anexados.

Foi a "Realpolitik" das potências ocidentais que alimentou o nazismo e o avanço da barbárie pelo mundo, quando os valores ocidentais mais caros à nossa sociedade, especialmente a democracia, estiveram na iminência de serem destruídos. Por um paradoxo do destino, o Ocidente deve muito à resistência da URSS durante a invasão alemã ao seu território. Nessa luta, sucumbiram mais de 20 milhões de soviéticos, e se eles tivessem sido derrotados pelo poderoso e superior exército alemão, o destino da Segunda Guerra talvez tivesse sido outro. Quando os soviéticos venceram os alemães na Batalha de Stalingrado, em fevereiro de 1943, a guerra começou a ganhar um outro rumo. A Invasão da Normandia só aconteceria 1 ano e meio depois.

Por fim, olhando para os dias de hoje, por mais que o pragmatismo domine a política, é preciso nunca esquecermos que são as idéias que impulsionam as ações que movem o mundo. São elas que orientam nossas decisões. Por elas, muitos estão disposto à luta, muitos até a morrer. É bom ninguém subestimar a força que elas tem para mudar o mundo.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Ser paraibano e ser flamenguista

Sou flamenguista desde que eu me entendo por gente, e assim me tornei por conta do meu pai. Essa é uma herança que eu usufruo em vida e da qual nunca consegui me livrar. Como eu digo sempre aos meus amigos: futebol é a única coisa na vida que eu me permito, conscientemente, não ser racional. Sou pura paixão, mas hoje uma paixão amadurecida. Na quarta passada, por exemplo, me vi torcendo pelo Fluminense e, em reconhecimento pela desmoralização do uso da estatística no futebol, para que o clube não caísse para a Segunda Divisão. Torci também inutilmente pelo pouco heróico Campinense.

Existe um lugar comum entre os torcedores paraibanos, aqueles que só torcem por times locais, a minoria, aliás, de questionar como é possível um paraibano torcer por um time carioca? Eu confesso que perguntas desse tipo realmente me constrangem, mas eu tenho sempre uma resposta pronta na ponta da língua: meu coração de torcedor é grande o bastante para abrigar minha outra paixão, que é o Nacional de Patos.

Nós, nordestinos, aprendemos a cultivar sem conflitos uma espécie de bigamia futebolística, de amores sem desavenças, de mundos quase que paralelos, que, no meu caso, dificilmente se encontrarão, mas que, acrescento um felizmente, podem ainda se encontrar – e quando isso acontecer torcerei ardorosamente pelos dois, com um pesinho a mais na balança em favor do Nacional, porque o Nacional não só o Nacional, ele também é de Patos. Mas, não seria só por isso, eu confesso: como todo bom torcedor, eu torço sempre pelo mais fraco.

Esse dualismo passional constitui a simbiose perfeita, novamente no meu caso, entre o universalismo do Flamengo e o localismo do Nacional de Patos. Tanto que hoje, durante os primeiros meses do ano até o início do Campeonato Brasileiro, eu só tenho olhos e ouvidos para o Nacional durante o Campeonato Paraibano. O Campeonato Carioca só me interessa a final, e se o Flamengo estiver nela. Mesmo assim, com um certo desdém. Aliás, o Nacional me proporcionou uma das maiores emoções do futebol quando foi pela primeira vez campeão paraibano, em 2006, coisa que eu começava a duvidar que veria algum dia. E ao vivo pela TV. E quando em 2007, o Nacional avançou na Série C e chegou a ficar entre os 8 melhores times, quando foi garfado vergonhosamente quando impediram que seus jogos fossem realizados em Patos durante a fase final. Não fosse isso, teríamos chegado na Serie B antes do Campinense.

Poucos fenômenos são tão mal explicados como essa paixão que um time de futebol carioca desperta nos torcedores brasileiros, especialmente nordestinos. Como ela nasceu e se espalhou para tornar o Flamengo uma “nação”? A influência do rádio nos anos 50, 60 e 70 certamente é parte considerável dessa explicação. E da Rádio Globo, em particular. Quem nunca escutou um gol narrado por Jorge Cury não tem idéia do que é uma verdadeira narração de futebol, especialmente quando era gol do Flamengo. Ainda hoje eu me arrepio quando volto a escutar aquela potente voz e, acompanhando uma partida na TV, por vezes me pego tentando imitá-lo: “Maaarrrrquue ooo teemmmmppoooo!”

Além disso, eu lembro que, religiosamente, especialmente à noite quando o sinal era bom e estávamos próximos de algum jogo importante, ao lado de amigos que felizmente ainda hoje preservo em Patos, como Helder George, ouvíamos as “resenhas” esportivas da Rádio Globo. E ardorosamente discutíamos futebol em grupos de torcedores que, normalmente, se dividiam entre flamenguistas e vascaínos. Existiam botafoguenses e tricolores, mas em minoria. E só. Como era bom provocar um vascaíno, mesmo desconhecido! E como eu odiava ser provocado por eles. Hoje, isso é temerário. Você pode levar um tiro como resposta.

Eu sou da geração que acompanhou Zico jogar, a geração mais feliz da história. Ou melhor, da geração que viu Zico, Raul, Leandro, Júnior, Andrade, Adílio e Nunes, que tornou o Flamengo um clube vencedor e à altura da grandiosidade de sua torcida. Até 1980, eu lembro das decisões do Campeonato Brasileiro sem o Flamengo. E como era frustrante aquilo para um jovem torcedor, como deve ter sido para os atuais esperar 17 anos para comemorar um título brasileiro.

Por isso, quando o Flamengo foi campeão brasileiro em 1980, e da maneira como aconteceu, foi como o céu que se abria para um garoto de 13 anos. Se alguém imagina que existem batalhas épicas no futebol, a decisão do Campeonato Brasileiro de 1980 foi uma delas. Com todos os ingredientes que tornam uma partida inesquecível. Uma final, que não existe mais, no Maracanã lotado com quase 200 mil pessoas, contra um time adversário que tinha Reinado, que fez o gol de empate que daria o título ao Atlético Mineiro contundido. Foi desesperador ver aquilo acontecer. E quando toda a torcida esperava que fosse Zico o salvador, eis que aparece o desengonçado Nunes e marca um gol antológico que parecia já parecia impossível. Eu lembro que eu chorei convulsivamente numa emoção que, por conta da idade, eu não sei mais sentir. São os gols salvadores que todo torcedor imagina que existam, mas como os milagres eles não acontecem a qualquer hora. Um gol como aquele eu esperei inutilmente assistir na partida entre Brasil e Itália na Copa de 1982. Eu trocaria os dois últimos títulos mundiais para dar àquela seleção um título mundial. E se alguém disser que é por conta de Zico eu discordo.

Depois do Brasileiro de 1980, veio a Libertadores e o Mundial no Japão, e o Flamengo levou sua torcida ao paraíso. Era como um sonho, pela grandiosidade do feito e pela facilidade como ele foi conquistado. 3 a 0 como no Liverpool como se o time inglês campeão europeu fosse um time de várzea. Depois que o juiz apitou o fim do jogo, um furor quase desesperado de uma torcida levou milhares de pessoas às ruas de Patos, naquela madrugada de dezembro de 81, em monolítica passeata até o amanhecer, que acordou quem estava dormindo, ao grito quase monossilábico que entoa no acústico Maracanã para alcançar todo o Brasil: mengggôoooooo! mengggôoooooo! É irracional? Completamente irracional. Talvez mesmo uma desrazão coletiva, inofensiva, alegre, circunstancial. Pura pulsão. Mas, quem disse que se o futebol não fosse assim teria alguma graça? Imagine todos nós assistindo a uma partida de futebol interessados apenas nos aspectos técnicos e táticos das partidas. É bom quando um time reserva de garotos apronta para o Flamengo, num Maracanã lotado, o que o time do Grêmio aprontou para o Flamengo. Quem imaginaria aquele sufoco? O bom é que no outro dia, a vida continua e tudo volta ao normal, à espera de uma nova oportunidade para sofrer e se alegrar. É por isso que o futebol é apaixonante.

A influência mais importante hoje é, claro, da TV. Por isso, é para mim muito estranho ver, numa quantidade até razoável, jovens torcedores de times paulistas, normalmente de classe média, que gostam de assistir aos jogos de seus times ao redor de uma mesa de bar e na frente da TV. Não sei ainda o que mais os motiva. Se o time ou as companhias. Mas, é assim que se formam os torcedores. Quanto aos flamenguistas, existe, claro, muita gente de classe média, como é meu caso, mas o mengo continua a encantar mesmo é o povão. Para o intelectual de classe média e de esquerda isso é mesmo uma delícia para justificar sua paixão. Eu vejo isso quando trafego por ruas onde transitam muitas bicicletas e pedestres. Aí, se vêem pulular camisas do Flamengo, normalmente “réplicas”, normalmente envelhecidas. E no Maracanã, então. A maioria flamenguista é negra, pobre, favelada. Por isso, quando o Flamengo é campeão o Brasil acorda mais feliz.

E quando eu circulei ontem por João Pessoa, vi uma nação mudando de cor. Nos carros, nas casas, no peito das pessoas, nos chapéus das senhoras. O preto e o vermelho tonificaram o ambiente da cidade. Um estrangeiro que chegasse ontem em João Pessoa, sem saber o que estava acontecendo, ressaltaria o amor que temos pela Paraíba, já que nossa bandeira é rubro-negra. De repente, me surgiu uma dúvida. Será que a nossa bandeira não é na verdade uma homenagem ao Flamengo, travestida nas cores do sangue e do luto? Não esqueçamos que João Pessoa morou desde a infância no Rio de Janeiro...

Brincadeiras à parte, eu só tenho uma última coisa a dizer: meeeennnnnnnggggggggggôooooooo!

Em tempo: Ontem, me deu vontade de procurar imagens da decisão de 1980. Adivinhem o que eu achei? Uma apresentação do Canal 100 daquele jogaço (para quem não sabe, o Canal 100 mostrava os "melhores momentos" de jogos de futebol, gravados em película, e era apresentado nas sessões de cinema antes de cada filme. Imagens impecáveis, narração impecável). Deixo aqui para quem viu, rever. Quem não viu, não perca a oportunidade.


terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Resultado do PED fortalece candidatura de Luciano Cartaxo a vice

Além de decidir quem seria o Presidente e qual seria a composição do Diretório Regional que comandará as negociações a respeito de qual candidato a governador o Partido dos Trabalhadores paraibano apoiará em 2010, os filiados do PT foram às urnas para decidir se o partido lançaria um Senador ou um Vice-Governador numa das chapas majoritárias que devem se forma para concorrer ao Palácio da Redenção no próximo ano.

Deste modo, abertas as urnas e declarada a vitória da aliança liderada por Rodrigo Soares, Luciano Cartaxo viu consolidada sua posição no cargo que ocupa, pois senta agora na cadeira de Vice-Governador respaldado por uma sólida vitória do agrupamento de forças que lhe deu sustentação desde o início do governo, situação que seria enfraquecida e ameaçada caso o vitorioso tivesse sido o deputado federal Luiz Couto.

Além disso, mais do que fortalecer, o resultado do PED consolidou a provável indicação de Luciano Cartaxo como candidato a vice na chapa do PMDB de José Maranhão. Mesmo que seja clara hoje a opção do governador em ter como companheiro de chapa o prefeito de Campina Grande, Veneziano Vital, não por qualquer tipo de veto ou restrição ao nome de Cartaxo, mas por razões estritamente eleitorais por conta de uma disputa que pode vir ser renhida no próximo ano.

E ter o nome de uma jovem liderança em ascensão, como Veneziano Vital, pode ser sem dúvida um trunfo importante para a disputa que se avizinha. Veneziano é um contraponto respeitável ao prefeito de João Pessoa, Ricardo Coutinho, tem forte apelo político, especialmente entre os jovens, além de ser ele prefeito de uma cidade que, nos dois pleitos anteriores, foi decisiva ao oferecer, numa acirrada disputa, uma diferença de tal monta em favor de Cássio Cunha Lima que não foi possível ser superada no restante da Paraíba. Em função desse último aspecto, Veneziano conta ainda, em seu currículo, com o quase mitológico feito de ter derrotado os Cunha Lima, por duas vezes, na Rainha da Borborema, por 20 anos uma fortaleza inexpugnável.

Mas, nem sempre é possível ter tudo, especialmente em política. E provavelmente José Maranhão tenha que fazer uma opção entre indicar um nome como Veneziano Vital para reforçar sua candidatura em Campina Grande, ou o de Luciano Cartaxo para representar o PT na chapa majoritária e manter com isso um lustre político significativo para neutralizar, deslocar para a direita e lá isolar a atual candidatura de Ricardo Coutinho, um candidato certamente mais à esquerda que José Maranhão, mas com companhias que negariam contundentemente essa posição.

Entretanto, vendo os sinais de hoje, pode ser que Veneziano Vital nem esteja à disposição, pois ele não parece hoje muito disposto a entrar nessa disputa. Não na condição de vice. Principalmente se for para confrontar o PT que, a rigor, só tem a vice para reivindicar. Isso porque, como é por demais óbvio, o PT não conta com um nome suficientemente forte e competitivo para compor uma das vagas para o Senado, a não ser o nome do deputado federal Luiz Couto. Entretanto, Couto está completamente afastado como opção para compor a chapa majoritária com o PMDB devido ao seu comportamento durante o PED, de freqüentes ataques proferidos contra o governador José Maranhão, o governo do qual o PT faz parte e até aos próprios companheiros que até muito recentemente foram importantes aliados seus.

Um parêntese: Nunca compreendi bem essa postura um tanto kamikaze de Luiz Couto, que apostou todas as fichas numa aliança em favor de Ricardo Coutinho. É bom lembar que, por conta das disputas internas até 2003, tornou-se o atual prefeito de João Pessoa um desafeto pessoal, além de agressivo adversário do grupo de Couto - a Articulação - no interior do PT. Não bastasse isso, como já dissemos aqui inúmeras vezes, Coutinho caminhou e caminha, na Paraíba, na direção inversa à política nacional do PT, buscando aliança com o DEM e o PSDB (a aliança com este último continua a depender da tenacidade, até agora a toda prova, do senador Cícero Lucena). Com sua postura durante o PED, Luiz Couto também apostou, principalmente, o projeto de eleger um senador pela Paraíba, projeto que não era só dele, mas de todo o PT paraibano e do próprio Lula, que se empenha hoje ostensivamente para eleger a maior bancada possível para o PT no Senado, a casa parlamentar que mais lhe causou problemas durante o seu governo por conta da pequena maioria que lá dispõe. E em nome de quê e de quem Luiz Couto jogou todas as suas fichas? Um dia, quem sabe, nós saberemos uma resposta que explique comportamento tão irracional. Para hoje, basta dizer que a política cobra sempre muito alto quando se comete erros desse tipo.

Assim, não tendo nomes para o Senado, a não ser que seja para ir ao sacrifício em nome da unidade e da vitória do bloco maranhista, coisa que dificilmente o PT local e nacional estaria disposto a fazer, restaria ao partido a vaga de vice. Esse filme nós já vimos em 2006. Ali, o PT fincou o pé na indicação do candidato a vice-governador, vaga que acabou caindo no colo de Luciano Cartaxo, provavelmente por ser ele à época o nome petista com menos restrição no bloco de partidos que apoiava a candidatura de José Maranhão. Essa desenvoltura Luciano inquestionavelmente preserva, agregando agora uma boa relação interna por conta de uma postura leal nas disputas que se estabeleceram no interior do PT após a posse do novo governo no início de 2009.

E José Maranhão sabe que é bom não mexer no que está quieto, para evitar que o PT se torne um enxame de abelhas. A razão disso é que o partido se encontra muito bem acomodado nas circunstâncias de hoje, sem projetos conflitantes entre suas principais lideranças. É claro, por exemplo, que o deputado estadual Jeová Campos, que tem um acordo prévio de apoio à postulação de Cartaxo, gostaria de ver afastado da disputa para a Câmara Federal, a qual ele também concorrerá, para concorrer à vice na chapa de José Maranhão, o deputado estadual e presidente eleito do PT, Rodrigo Soares, agora mais do que nunca um fortíssimo candidato a deputado federal.

Mas, nem isso pode ser considerado um conflito de projetos, pois os dois mais fortes candidatos a deputado federal do PT atuam em colégios eleitorais distintos, não sendo nenhuma surpresa se os dois conseguiram se eleger: Campos consolida sua liderança em todo o Sertão, sendo quase a única referência do PT nessa importante região do estado, e Soares avança por todo o Litoral e Brejo com a solidez de uma política de alianças internas que pode beneficiá-lo como candidato único do grupo que Soares liderou nessas regiões, aliada à sua reconhecida capacidade de articulação externa e bom trânsito com setores da Igreja. Ambos contarão com a condição, o que nunca aconteceu antes e é sempre um dado importantíssima nessas disputas, de serem deputados governistas. Luiz Couto, que só cultivou adversários, tem que se cuidar se o seu projeto for mesmo, como tudo indica, o de retornar à Câmara Federal.

Por outro lado, também não existe antagonismo de projetos com outras duas forças mais à esquerda mais importantes que compuseram a aliança pró-Rodrigo Soares no PED. Frei Anastácio deve ser candidato a deputado estadual, provavelmente com apoio de Gilcélia Figueiredo, Secretária de Desenvolvimento Humano, não havendo nenhum candidato mais forte a deputado federal desse agrupamento. Não será surpresa se a aliança no PED, em muitas regiões da Paraíba, se estender para as eleições parlamentares em 2010.

Um outro elemento a fortalecer a posição de Luciano Cartaxo é sua condição de atual vice-governador, aspecto que nem de longe é menos importante. Se sua atuação no cargo estivesse fragilizando sua posição e a do partido no governo, seria mais do que justificado seu remanejamento. Mas, não é o que acontece. Muito pelo contrário, Cartaxo parece ser muito bem utilizado para transitar na defesa dos projetos do Governo do Estado entre os ministérios comandados por petistas. E, especialmente se a decisão do PT for mesmo a de manter a vice, a substituição de Cartaxo acabaria por representar uma desautorização pública do seu trabalho político e uma quebra do acordo tácito realizado na composição que deu a vitória a Rodrigo Soares no PED. É sempre bom ter o partido de Lula como aliado em 2010.

Portanto, a posição de Luciano Cartaxo, se não pode ser considerada totalmente confortável, ela tende a ser o ponto de um tenso equilíbrio no qual repousa hoje a unidade do bloco petista vitorioso no PED, unidade construída a duras penas. A sua ruptura pode por tudo a perder, não sendo aconselhável a ninguém, nem dentro nem fora do PT, fazer movimentos que possam gerar desconfianças. A não ser se o desejo for ver naufragar a aliança PT-PMDB em 2010.

sábado, 28 de novembro de 2009

Razões para a vitória de Rodrigo Soares no PT

A dúvida gerada pela disputa interna no PT sobre com quem o partido se aliaria nas eleições para governador da Paraíba, em 2010, foi resolvida depois da contundente vitória da chapa liderada pelo deputado estadual Rodrigo Soares, que obteve 54% dos votos e emplacou uma diferença superior a 1200 votos sobre o deputado federal Luiz Couto. José Maranhão, se o bloco que deu suporte à candidatura de Soares para a presidência do PT continuar unido, já pode contar com o apoio do partido para 2010.

Em termos de composições internas, essa disputa subverteu toda a lógica anterior das alianças no PT paraibano. Até 2007, o que marcou a conformação dos ajuntamentos entre os diversos grupos políticos no PT foi a divisão entre a chamada esquerda petista e os diversos grupos alinhados às posições hegemônicas da Articulação, grupo de Lula e José Dirceu.

O governo Lula promoveu uma inusitada coesão nacional interna do PT, por conta das acomodações internas que Lula soube, com habilidade, conduzir, mas principalmente pela necessária unidade interna para enfrentar os inimigos localizados numa oposição cada vez mais direitista ao governo liderado pelo PT. A compreensão de que o fracasso do governo Lula representaria o fracasso da própria esquerda no Brasil, fez também amadurecer e consolidar as bases de uma ampla aliança, tanto no interior do PT, mas também deste com os outros partidos desse campo.

As críticas mais contundentes que se ouviam ao governo dentro e fora do PT, incluindo este que lhes escreve, foi dando lugar, na medida que Lula foi transpondo todos os obstáculos criados ao seu governo pela grande imprensa e pela oposição consevadoras, a um nítido realinhamento político em torno da expectativa de que a esquerda possa liderar um novo projeto de desenvolvimento, agora com objetivos, digamos, distributivistas.

Lula soube compreender muito bem a natureza histórica do nosso desenvolvimento, ao se negar a embarcar no que seria a aventura de uma ruptura com o modelo neoliberal no início do seu governo, como desejava e torcia que ele fizesse o PSDB, e pressionava grande parte da esquerda. Lula também compreendeu especialmente a maneira como foram feitas no Brasil as grandes transformações nacionais sob o comando, até então, de alianças e pactos conservadores – qualquer dia eu arranjo tempo para produzir uma análise mais detida desse processo histórico moldado pelo que Maria da Conceição Tavares chamou de “modernização autoritária e excludente”.

Em sete anos de governo, Lula liderou uma lenta transição para esse novo modelo, e aglutinando forças em torno dele. Construiu uma unidade a partir de sua incontestável liderança, solidificada por uma amplo apoio popular e por um suporte econômico que seu governo, com ousadia, soube construir e é a base imprescindível para dar início a essa transição.

Pois bem. Foi a construção dessa unidade que deu lógica à aliança entre grupos de diversos matizes, antes em campos opostos, em torno da candidatura de Rodrigo Soares no PT paraibano. E isso foi feito da maneira menos traumática possível. Antigos adversários se uniram em torno desse projeto, que levou ao isolamento do grupo do deputado federal Luiz Couto, preso a uma visão que aparentemente não logrou compreender o que estará em jogo no Brasil em 2010. O que poucos acreditavam – por exemplo, uma aliança de Gilcélia Figueiredo e Frei Anastácio com Rodrigo Soares e Luciano Cartaxo – aconteceu. E foi isso o que deu solidez política e capacidade aglutinadora para enfrentar o até então considerado imbatível grupo de Luiz Couto.

Quem raciocinou em termos dos enfrentamentos do passado surpreendeu-se com a desenvoltura argumentativa dos protagonistas dessa aliança, que pouco se incomodaram quando eram apontadas as possíveis incongruências de uma aliança tão ampla. A aproximação nacional do PT com o PMDB reforçou mais ainda o posicionamento político desse agrupamento, que acabou conquistando uma vitória eleitoral cujo resultado representa uma nítida desautorização a qualquer tipo de aproximação, na Paraíba, com aliados dos adversários nacionais do PT.

Essa força política avançou, inclusive, no território político onde aparentemente a candidatura de Luiz Couto teria o seu melhor desempenho, que seria João Pessoa, por conta da aliança e do apoio do prefeito Ricardo Coutinho. Hoje, como tudo indica, vencerão os apoiadores da aliança com o PMDB no segundo turno da disputa para o Diretório Municipal do PT. da capital Se isso realmente acontecer, terá sido, como diz um conhecido ditado popular, uma vitória com "barba, cabelo e bigode".

A derrota do agrupamento liderado por Luiz Couto também aconteceu no campo do embate da argumentação política. O simplismo das críticas durante a campanha do PED feitas pelo deputado federal Luiz Couto, que atribuía o interesse pela ocupação de cargos o elemento a definir essa aliança – o que não deixava de ser paradoxal, pois era como se ele argumentasse ser o PT importante para dar apoio eleitoral, mas não para governar – expressam em grande medida um alto grau de desorientação política do grupo que o apoiava, incapaz de se opor à política proposta pelo agrupamento liderado por Rodrigo Soares, que defendia a unidade da base do governo Lula na Paraíba, política que contava com a chancela da própria Direção Nacional do PT.

Além disso, tendo não só apoiado José Maranhão como participado da chapa majoritária indicando o vice-governador, era e é legítimo, além de uma exigência política, que o PT reivindicasse não apenas a participação no governo, mas trabalhasse para ampliar cada vez mais os seus espaços. O argumento referente ao interesse na ocupação de cargos, mote da campanha de Luiz Couto, soou despolitizado e preconceituoso, o que demarcou um importante limite entre um discurso orientado para o debate a respeito do papel das alianças e da participação nos governos do PT e outro que explorava uma visão rasteira da política, incentivando um preconceito inútil tanto nos filiados como na sociedade.

Por outro lado, aquele que seria em tese o grande aliado a ajudar Luiz Couto na defesa de uma aliança mais à esquerda para o PT, em 2010, Ricardo Coutinho, passou todo o tempo em que durou a campanha do PED quase a mendigar o apoio do grupo Cunha Lima e do PSDB, o que acabou tornando-o, na prática, o maior adversário de Luiz Couto, pois a cada declaração de Coutinho nessa direção obrigava Couto a um verdadeiro contorcionismo retórico, ao negar apoio ao que o seu candidato escancaradamente defendia, através de palavras e atos.

A impaciência do prefeito de João Pessoa deixou claro sua prioridade política em relação a futuros aliados: ao invés do silêncio para ajudar Luiz Couto, preferiu a pirotecnia dos festejos no interior, com fotos sorridentes ao lado dos que, em 2010, farão campanha para a oposição a Lula. O que salvou Luiz Couto de uma derrota humilhante foi sua grande liderança interna, que ficou fortemente arranhada após esse embate.

Na próxima postagem, tentarei analisar as conseqüências da vitória de Rodrigo Soares para o PT e para a aliança com o PMDB do governador José Maranhão.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Será FHC o candidato da oposição?

Há 20 dias atrás, o jornalista Mauro Santayana, um dos analistas políticos mais atentos, brilhantes e cuja argumentação expressa uma seriedade (eu não digo imparcialidade) rara no Brasil de hoje, especialmente quando se trata da chamada grande imprensa, fez uma observação em sua coluna no Jornal do Brasil (clique aqui para ler) que deixou incrédulos muitos observadores da política nacional: FHC é candidato.

A suspeita de Santayana começou a se consolidar, a ponto dele apresentá-la em sua prestigiosa coluna, depois que o ex-presidente escreveu um artigo criticando e confrontando o governo Lula, artigo que já analisamos aqui mesmo no blog (clique aqui). Para Santayana, FHC age como se desejasse ser um tertius que resolveria o impasse na oposição, imobilizada devido à indefinição de quem será o candidato a enfrentar Dilma Roussef, e a cada vez mais nítida incapacidade de levá-la unida ao pleito de 2010, seja Aécio Neves ou José Serra o candidato.

Só não concordo que a possível ascensão de FHC à condição de candidato possa se dar por conta do impasse gerado pela existência de dois candidatos, mas pela inexistência deles quando chegar a hora da decisão. Depois de divulgada nesta segunda-feira a última pesquisa CNT-Sensus, em que a diferença entre José Serra e Dilma Roussef aproximou-se dos mirrados 10% (31,8% a 21,7%), quando já foi mais de 40%, com o agravante de que Ciro Gomes, que é lulista de carteirinha, tem 17,5% das intenções de votos, e Marina Silva (PV), que aglutinará os votos mais à esquerda, tem 5,9%, o cenário de termos FHC na disputa não parece tão irreal (há pouco mais de 1 mês, em postagem intitulada As chance de Dilma Roussef em 2010, observamos a tendência, excluídas as alterações conjunturais, da irremediável queda da diferença entre os dois candidatos (clique aqui).

E por que a improvável candidatura de FHC não é algo tão improvável assim? A resposta a essa pergunta pode estar localizada no comportamento antagônico e aparentemente irreconciliável dos dois principais candidatos do PSDB, que não parecem dispostos a apoiar um ao outro nessa disputa. Enquanto Aécio Neves deseja que a decisão seja antecipada para dezembro, José Serra quer empurrá-la para março do próximo ano. Aécio sabe que são pouquíssimas as suas chances, tanto de ser candidato, devido ao controle quase absoluto dos paulistas sobre o PSDB, quanto de se eleger (nessa mesma pesquisa Aécio pontuou 14,7%), atrás de Ciro Gomes e de Dilma Roussef, respectivamente. Por isso, diante de uma iminente derrota, Neves deve ser mesmo candidato a Senador de Minas e não será surpresa nenhuma se, pelo menos informalmente, apoiar Dilma ou Ciro.

Já José Serra tem um dilema que não é menor. Governador de São Paulo, onde pode ser candidato à reeleição, Serra tem que decidir entre dois projetos: o de enfrentar uma dura disputa com imensas chances de derrota para presidente, ou esperar mais quatro anos confortavelmente sentado na cadeira de governador de São Paulo, controlando o segundo maior orçamento do Brasil, onde tem grande chance de se reeleger. Não é por outro motivo que ele deseja postergar ao máximo essa decisão, talvez na esperança de que aconteça algo que fragilize Lula e sua candidata. A crise e a rápida recuperação econômica do Brasil enterrou o que pode ter sido a única possibilidade de tornar um candidato de oposição viável. Por isso, acho que Serra não será candidato. Não a Presidente da República

Restaria, para a oposição, lançar um anticandidato. E essa tarefa Fernando Henrique Cardoso assumiria de bom grado. Mesmo derrotado, FHC teria a oportunidade histórica de defender o seu governo, algo improvável em relação a qualquer outro candidato, que o trataria como um fantasma, preferindo que os eleitores o esqueçam como aliado. A candidatura de FHC provavelmente não lhe renderia uma votação tão desmoralizante, já que ele incorporaria o sentimento anti-Lula, condição que dá hoje a qualquer candidato entre 20% e 30% dos votos. Além disso, nada melhor que o próprio ex-presidente a representar e defender o seu próprio governo numa disputa como candidato, onde o mote lulista já em andamento será o de levar o a decidir seu candidato baseado na comparação entre os dois governos. Um candidato como FHC traria a vantagem adicional de evitar que a clara defensiva política a que estão submetidos os atuais candidatos que, apesar de pertencer ao mesmo partido do ex-presidente, renegam sua herança, postura que, numa disputa eleitoral, pode ser fatal.

A oposição está na defensiva, desorientada e sem discurso, e depende cada vez mais de candidatos que tem alternativas, isto é, que podem preferir evitar o enfrentamento com Lula e a candidata que vai representar o seu governo. A situação de paralisia política que vive PSDB-Dem hoje pode piorar ainda mais diante da possibilidade de não ter mais sequer um candidato competitivo. E não ter candidato representa uma clara rendição e um ato de suicídio político. Como consequência disso podemos ter no desenvolvimento dessa situação um acirramento que pode encaminhar a disputa para a seara de um confronto ideológico, e FHC começa a ensaiar esse discurso, entre um candidato com uma retórica nitidamente de direita, coisa que nem Serra nem Aécio, ao que parece, se dispõem hoje a fazer, com o consequente esforço, que terá o abnegado e poderoso apoio da grande imprensa, de demonização da candidatura de Dilma Roussef (ela foi guerrilheira, lembram?) representando o bicho-papão da esquerda. Se for assim, o Brasil seria um dos últimos países a rumarem na direção desse confronto, que tem acontecido em toda a América Latina.

Por isso, creio não ser impossível, apesar de hoje ser improvável, uma candidatura de FHC, o que seria o pior dos mundos para a oposição. Mas pode ser que ela não tenha outra alternativa.

EM TEMPO: Ontem, quarta-feira (25/11), meu colega de departamento na UFPB, Mozart Vergetti, me mandou uma mensagem provocativa que, em síntese, afirmava que a grande rejeição de FHC na última pesquisa CNT-Sensus (49% disseram que não votariam em um candidato apoiado por ele) o inviabilizaria como candidato. Eu também acho. E eu enfatizei isso, afirmando que se FHC sair será como uma espécie de anti-candidato. Entretanto, é bom registrar, que nessa mesma pesquisa a rejeição à Dilma Roussef é de 34,4% (em setembro era mais de 37%). E deve se manter no patamar dos 30% até a eleição, pois estes são os eleitores anti-lulistas, que votarão em qualquer candidato de oposição, inclusive FHC. Bem, pode ser que surja outro candidato, mas que FHC, como disse Santayana, quer ser esse candidato, ah, isso ele quer.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O apagão da grande imprensa

Esta semana foi prodigamente pedagógica em demonstrar como a grande imprensa é tomada de uma parcialidade quase apaixonada quando trata de acontecimentos que envolvem o Governo Federal, de um lado, e o Governo de São Paulo, de outro. Em relação a Lula, uma oposição sem meios-termos; em relação a Serra, o silêncio quando se trata de protegê-lo dos incômodos políticos gerados pelos erros de sua administração. E não são poucos.

O “quase apaixonada” é uma maneira de dizer que, além dos interesses políticos, são principalmente os interesses econômicos que movem Globo, Folha, Estadão e Veja, ou o PIG, como gosta de chamar os blogueiros esse oligopólio da informação, constituído hoje por grandes empresas decadentes que vivem em grave crise financeira. Os grandes jornais e revistas, devido ao avanço da Internet que tem reduzido, dia após dia, seus leitores-compradores; e a Rede Globo, que tem enfrentado uma queda progressiva e, ao que parece, estrutural perda de sua audiência, especialmente para a Rede Record.

Alie-se a isso mais duas coisas: em primeiro lugar, a ojeriza crescente dos antigos leitores e telespectadores à linha editorial de oposição a Lula, explicitamente tendenciosa, parcial e, em muitos casos, facciosa, como foi, só para citar um exemplo entre tantos outros, a “denúncia” da Revista Veja a respeito de um grampo telefônico instalado no gabinete do Presidente do STF, Gilmar Mendes, sem apresentação de nenhuma prova, a não ser a palavra dos dois interlocutores, cujos diálogos foram reproduzidos nas páginas da revista: Gilmar Mendes, que se conduz à frente do STF como se fosse membro do PSDB, e o Senador de Goiás, Demóstenes Torres, um dos líderes do DEM. Duas pessoas insuspeitíssimas.

Em segundo lugar, mas não menos importante, a política do governo federal de uma melhor e mais eqüitativa distribuição do imenso bolo das verbas publicitárias, diminuindo o controle dessas verbas dos grandes veículos e regiões. Segundo Franklin Martins (clique aqui), Secretário de Comunicação Social da Presidência da República, até 2003 apenas 499 veículos em 182 municípios repartiam essa verba entre si, sem nenhum critério mais rigoroso. Em 2008, o número de órgãos de comunicação que participaram da distribuição dessa verba, que chega a 1 bilhão de reais por ano, chegou a 5.297, distribuídos em 1.149 municípios.

O resultado disso é que, segundo Martins, “os jornais das outras capitais [fora do eixo que forma a grande imprensa] cresceram 41%, chegando a 1.630.883 exemplares em abril. As vendas dos jornais do interior subiram mais ainda: 61,7% (552.380). No caso dos jornais populares, a alta foi espetacular, de 121,4% (1.189.090 exemplares).” A tal grande imprensa, claro, não gosta nem um pouquinho disso, especialmente a Rede Globo, que abocanhava, sozinha, quase 90% das verbas de TV durante o governo FHC. Hoje, ela leva pouco mais de 52%, o que ainda representa números acima de sua audiência, mas trata-se de uma perda relevante, especialmente para um agrupamento empresarial que sempre teve relações carnais com o poder desde que os militares deram um golpe em 1964.

Pois bem. Voltando ao motivo que originou essa postagem, entre terça e quarta-feira da semana passada um “apagão”, segundo a denominação desses órgãos de imprensa, atingiu os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. Foi na realidade um blecaute ocasionado por razões técnicas.
Mesmo com as explicações das autoridades energéticas e de especialistas, que demonstraram ser esse um problema circunscrito, e não uma falha estrutural do sistema elétrico brasileiro, o PIG deu a esse blecaute uma repercussão tal que, dias depois, parecia que a luz ainda não tinha voltado. Tanto que a abertura do Fantástico, da Rede Globo, cuja audiência dos últimos domingos tem quase empatado com a de Gugu, da Record, abriu o programa mostrando uma imagem de satélite do Brasil em seqüencial apagão noturno (engraçado é que na montagem, o último estado a ser “apagado” foi São Paulo, quando foi ele o primeiro a sofrer com o blecaute).

Durante uma semana inteira, tentou-se associar o governo federal e, principalmente sua candidata a presidente, Dilma Roussef, ao “apagão”. Fotos em capa de jornal, entrevistas com insistentes perguntas à ministra como se ela ainda estivesse na pasta das Minas e Energia, tentativas por parte da oposição de levá-la ao congresso para dar “explicações”. Até que Lula disse que não estava satisfeito com as respostas dadas por seus assessores até ali e que era preciso investigar mais profundamente o acontecido para demonstrar a população que apagão mesmo acontecera durante o governo do PSDB. Incapazes de enfrentar e temendo qualquer tipo de comparação entre Lula e FHC, foi só aí que o "apagão" acabou e havia chegado a hora de mudar, finalmente, de assunto. Agora, a nova “crise” é a extradição do “terrorista” Cesare Battisti. E depois outra, e depois outra. E assim vai: enquanto cai a audiência do PIG, a de Lula só faz subir.

Agora, imaginemos. E se acontecesse, ao contrário de um obra do governo de São Paulo, fosse numa obra do PAC que três vigas de sustentação de um imenso viaduto, com 80 toneladas cada, caíssem sobre automóveis e deixassem 3 pessoas feridas, uma delas em estado grave. E se sobre esta obra, em construção há mais de 11 anos, pesassem graves suspeitas de corrupção e desvio de dinheiro público, sendo que uma das prováveis causas do acidente fosse o uso de materiais de qualidade inferior para reduzir os custos da empreiteira, a tal ponto dela ser apelidada pela população de "Roboanel" e não Rodoanel?

Já imaginaram o tamanho do escândalo? Era assunto para “repercutir” por pelo menos duas semanas. Reportagens sobre os erros no projeto, sobre as suspeitas de corrupção, sobre o tempo dessa interminável obra que não termina nunca e que consome, a cada ano, mais e mais recursos dos cofres públicos. Os mesmo repórteres que silenciam sobre hoje sobre esse assunto, perguntariam ao presidente Lula, em Copenhague, se ele demitiria o ministro responsável, se ele achava que a Ministra Dilma sabia dos problemas, e se ela o tinha avisado. As famílias das vítimas seriam entrevistadas aos prantos nos hospitais, receberiam visitas em suas casas. Gilmar Mendes daria mais uma entrevista ao vivo no Jornal Nacional para cobrar maior transparência do governo e reclamar do Estado policialesco montado por Lula. A oposição entraria imediatamente com um pedido de CPI para investigar essa e outras obras do PAC “com suspeitas” de corrupção. O Senador Eduardo Suplicy seria o primeiro a assinar em troca de uma entrevista. O TCU “recomendaria” a suspensão de todo o programa até que as "possíveis irregularidades" fossem corrigidas.

Mas, como o problema não foi do governo federal e sim do governo paulista o que prevalece na cobertura desse caso por parte desses diligentes meios de comunicação é um obsequioso silêncio. Quando falam, é para dar destaque às justificativas do governo e blindá-lo concentrando possíveis críticas nas empreiteiras que fazem a obra. É o apagão da grande imprensa, que perde a cada dia a credibilidade que ainda lhe resta. Desvanece, como uma estrela que já irradiou luz para todo o universo e está prestes a extinguir-se.

A democracia é quem ganha com isso.

domingo, 15 de novembro de 2009

Vidas que se cruzam

Todas as sextas pela manhã, quando me dirijo à universidade para uma aula que começa às 7, e todas as vezes em que saio de casa antes das 8, presencio e participo de um encontro de mundos. Ele acontece na fronteira de asfalto sobre a qual trafego. Olho aquela quase multidão que diligentemente, a maioria em direção ao trabalho, corta a BR-230 em direção ao bairro do Bessa, onde eu moro, empurrando suas bicicletas e segurando suas bolsas. São trabalhadores da construção civil, empregadas domésticas, comerciários cuja função reservada na vida é servir, primeira lição que provavelmente aprenderam desde muito cedo, e, junto com milhões de tantos outros, fazer a riqueza exuberante desse país de miseráveis.

Cortam o caminho em cruz, como numa metáfora de suas próprias vidas. E as duas linhas cruzadas, formadas de pessoas e automóveis, promovem esse encontro quase entre castas, numa fronteira asfáltica a indicar o apartheid social no qual nossas classes rica e média cultuam e cultivam cotidianamente no desprezo que demonstram pelos mais pobres. Os que atravessam o caminho dos mais ricos nessas insólitas manhãs pisam o asfalto protegidos dos ameaçadores automóveis, que já ceifaram inúmeras vidas naquele local, apenas por uma lombada incrustada no chão. E aquela lombada vem a ser o símbolo gritante desse desprezo, que marca em brasa o coração das famílias que perderam seus entes queridos: ela provavelmente só está lá por conta dos breves lampejos da controlada e desorganizada revolta daquelas pessoas, fartas de sua invisibilidade, e do custo quase zero para colocá-la ali.

Uma parte dos que tem seu caminho atravessado apenas olha a cena, confortavelmente protegida daquele mundo calorento e cheio de barulho, por vezes considerado ameaçador, trancafiados em seus automóveis climatizados e ao som de alguma melodia digital que lhes dá prazer escutar. Esperam com impaciência se livrar do inconveniente para seguirem apressadamente seu destino.

Talvez seja um dos breves momentos em que esses dois mundo se encontram de verdade, despidos da liturgia do trabalho que os aproxima, na “cordialidade” buarque holandeana de uma relação ainda incapaz de se tornar impessoal, e os afasta, quando voltam a atravessar essa fronteira pisando novamente o asfalto depois do trabalho e em busca do aconchego do apertado lar. Sem direito sequer a uma passarela, provavelmente por conta do alto custo da obra, mesmo que se gastem milhões em inutilidades e mimos para a classe média. Eis um pedaço da rica João Pessoa.

São brasileiros os partícipes desse encontro? Tenho cá minhas dúvidas. A idéia de povo é homogeneizadoramente importante para se fundar uma nação, mas é igualmente importante para encobrir essas diferenças. O Brasil rico só existe por conta dessa massa desprezada que forma o nosso “povão”. Mas ele nunca foi de todos nem muito menos para todos. Mudar isso dará mais significado à idéia de um povo e de uma nação brasileira. Sem fronteiras de nenhuma espécie.

Tela Araña no ar: blog de Derval Golzio

O jornalista e meu colega de UFPB, Derval Golzio, não deve ter resistido aos apelos e criou seu próprio blog, apropriadamente chamado de Tela Araña, Teia de Aranha em português (clique aqui para acessar). Derval, que une o texto solto e preciso do jornalista, a profundidade necessária do professor universitário e a ironia cortante do seu estilo pessoal, justifica a criação de um blog para compartilhar, assim como eu faço aqui, suas idéias com os potenciais leitores espalhados mundo afora.
Só me resta dá as boas vindas a Derval e recomendar a visita. Vale a pena.

domingo, 8 de novembro de 2009

Fernando Henrique Cardoso saiu da toca


Fernando Henrique Cardoso saiu da toca. E feito animal ferido. No último domingo, o ex-presidente rangeu os dentes (não se sabe se de ódio ou de inveja) e partiu para o ataque contra o Governo Lula, o que deve ter feito o atual presidente comemorar. Afinal, depois de Lula passar meses chamando a oposição demo-tucana para o debate direto sem receber nenhuma réplica, FHC morde e engole a isca com anzol e tudo.

Em artigo publicado (clique aqui para ler) conjuntamente pela Folha e Estadão (o Comitê Central da oposição a Lula), no domingo passado, FHC ensaia uma mudança no discurso udenista surrado e já quase sessentão da oposição: a cruzada contra a corrupção cede lugar para a “denúncia” de uma escalada promovida pelo governo Lula do que ele chama de autoritarismo popular. Mesmo iniciando na defensiva – “Parece mais confortável fazer de conta que tudo vai bem e esquecer as transgressões cotidianas, o discricionarismo das decisões, o atropelo, se não da lei, dos bons costumes”, diz o ex-presidente no primeiro parágrafo do artigo, que se chama apropriadamente “Para onde vamos?”, uma provável resposta à desorientação que assola a oposição demo-tucana, sem discurso e sem a coragem de expor o que realmente pensa sobre temas candentes do Brasil atual.

Por exemplo, o debate sobre o Pré-Sal. Como seria óbvio, FHC critica a defesa que Lula faz do regime de partilha, um sistema que prevê que todo o petróleo existente no Pré-Sal pertence à União, e as empresas privadas que se habilitarem a concorrer com a Petrobrás receberão dela um pagamento, em dinheiro ou em parte da produção, uma exigência que assegura o controle dessa imensa jazida nas mãos do Estado e, segundo a proposta do governo, que os recursos provenientes da venda desse petróleo se destinem a financiar um fundo social para a educação, saúde e questões sociais.

Para FHC esse é um “pequeno assassinato” da democracia, pois ficarão as decisões a respeito de quem explora o Pré-Sal, segundo ele, sujeitas “a três ou quatro instâncias político-burocráticas para dificultar a vida dos empresários e cevar os facilitadores de negócios na máquina pública”. Para FHC, bom mesmo é o regime de concessão criado por seu governo, que representou a quebra do monopólio estatal do petróleo e abriu a exploração à empresas estrangeiras, em 1997. Nesse sistema, as empresas operadoras repassam à União antecipadamente um valor pré-estabelecido e fixo pelo arrendamento dos lotes e se apropriam de toda a receita gerada posteriormente. Fala-se dos riscos que essas empresas assumem, que seriam agora do Estado. Como se empresas privadas, num negócio como esse, gostassem de risco.

O presidente da Petrobrás, Sérgio Gabriele, demonstrou em uma das vezes que depôs no Congresso, que, entre 1998 e 2002, o crescimento da produção de petróleo no Brasil aconteceu exclusivamente em áreas que já existiam antes da lei do fim do monopólio, ou seja, em áreas já conhecidas e de rentabilidade garantida. Depois do governo Lula, a expansão que permitiu que o Brasil se tornasse auto-suficiente em petróleo aconteceu por conta das pesquisas e investimentos exclusivamente feitos pela Petrobrás, sem nenhuma participação da iniciativa privada. Como já demonstramos aqui na postagem inaugural deste blog (clique aqui para ler), se dependesse dos interesses e investimentos privados o Brasil jamais teria se tornado auto-suficiente em petróleo. O que essas empresas querem é o maior lucro, com os menores custos, riscos e investimentos possíveis. Tanto que nos mega-campos do pré-sal que já foram a leilão (Tupi e Júpiter), a Petrobrás não teve concorrentes. Por quê? Porque a disputa com a Petrobrás empurraria os valores das propostas para cima e como só a Petrobrás tem o domínio das informações sobre as operações do Pré-Sal...

O que FHC quer ao defender expressamente o regime de concessão para a exploração do Pré-Sal, falando o que até agora José Serra, PSDB e Dem não tiveram coragem de deixar claro, é entregar a exploração das jazidas gigantes do Pré-Sal às empresas estrangeiras e transferir para elas essa imensa e incalculável riqueza. Daí a crítica de que a mudança do regime de exploração do Pré-Sal seria um “pequeno assassinato” da democracia. Para quem é adepto do pensamento único essa é mesmo uma heresia que não tem perdão. Nesse ponto, o artigo FHC é um aceno para o grande empresariado nacional e internacional e o capital rentista. Ele quer voltar a liderar a oposição. Coitada dela.

Fernando Henrique continua seu rosário de acusações, fazendo referência à “ingerência governamental” na Vale do Rio Doce (Lula criticou as demissões que fez a empresa em plena crise, quando o governo se esforçava para evitar o pânico entre os empresários, e exigiu que a empresa investisse mais para agregar valor no país ao minério de ferro bruto que ela exporta). FHC reconhece que a Vale “não é totalmente privada”, mas não diz que a participação acionária de capitais controlados pelo Estado é de 60,1%, através dos fundos de pensão Valepar e BNDSpar. Mesmo assim, fruto de um “acordo” entre acionistas após a privatização de 1997, comandado pelo próprio governo à época (FHC), o Bradesco passou a ter o direito de nomear o presidente da empresa. O Bradesco que detém, através da Bradespar, apenas 17,5% (note, não é da Vale, mas da empresa que a controla, que é a Valepar, cujo acionista majoritário é a Litel, um aglomerado de fundos de pensão estatais controlado pela Previ, o fundo de pensão do Banco do Brasil, que detém 58,1% do capital votante da Litel). É relevante adicionar a informação de que o Bradesco participou do consórcio que avaliou o preço de venda da Vale, o que não era só ilegal, mas um atentado ao interesse público e um fato a demonstrar o quanto essas privatizações foram manipuladas e orientadas para atender determinados interesses. A empresa estabelece o preço de um empresa que pretende comprar. Áureos tempos de democracia esses! FHC, com essa, ajuda a tirar seus próprios esqueletos do armário, que são muitos.

FHC critica ainda as compras dos aviões da FAB (se a escolhida fosse a americana Boeing haveria essa crítica?), as relações com o governo do Irã e, é claro, a visita que uma comitiva presidencial fez às obras das transposição do São Francisco, da qual também participou Aécio Neves, um dos candidatos tucanos ao Planalto. Todos esses gestos compõem o quadro de uma verdadeira escalada rumo ao “autoritarismo popular". Não sei como a menção às obras como Transnordestina, trem-bala, Ferrovia Norte-Sul, transposição do São Francisco, e ações como biodiesel de mamona, da agricultura familiar, do etanol, além das “centenas de pequenas obras do PAC” foi parar no discurso de FHC para demonstrar o autoritarismo lulista.

No caso adjetivo “pequenas” em relação ao PAC, nesse caso e entre tantas outras, ele deve estar se referindo às obras destinadas aos mais pobres – FHC lembrar que eles existem? – de esgotamento sanitário e do “Minha Casa, Minha Vida” espalhadas por todo o Brasil. E haja autoritarismo popular do governo Lula! Engraçado: FHC não mencionou os mais de 100 bilhões de reais que são pagos religiosamente todos os anos aos banqueiros por conta da imensa dívida interna que ele deixou de presente para Lula (uma dívida que era de 65 bilhões de reais, em 1995, saltou para mais de 1 trilhão, em 2002!).

Só faltou FHC usar o termo “populismo autoritário”, mas aí ele perderia a originalidade. Usando “popular” ele indica mais claramente as raízes de esquerda do governo, porque o objetivo do artigo é criar um antagonismo político e ideológico para restabelecer o fantasma do medo. Por isso, o queridinho da FIESP e do PIG finaliza fazendo referência à emergência do poder “burocrático-corporativo” e explica: “Estado e sindicatos, Estado e movimentos sociais estão cada vez mais fundidos nos altos-fornos do Tesouro. Os partidos estão desmoralizados”. FHC deve está querendo criar o fantasma de que existe uma tendência à sovietização do Brasil nas “elites”, como se elas precisassem de mais um fantasma a atordoar-lhes os sonhos. Esses fantasmas elas já criaram ao máximo, mas, felizmente, parece que o povão descolou de suas opiniões. O grande problema dessa fusão entre Estado-Sindicato-Movimentos Sociais está localizado na preocupação com o controle dos Fundos de Pensão, que deixam as mãos dos controladores do mercado financeiro para passarem às mãos dos sindicatos, o que é, obviamente, um exagero que nem o próprio ex-presidente acredita. Entretanto, que horror! Para FHC, democrático mesmo é Fundo de Pensão estatal financiar e estar sob controle de banqueiro. Isso sim é democrático! É essa a ideia da democracia tucana! Corram todos! FHC decretou a ditadura no Brasil! FHC deve está preocupado mesmo é com o emprego de gente do tipo Roger Agnelli, que vai perder o emprego de presidente da Vale se Dilma ganhar!

Na última sexta, 6, Lula aproveitou a deixa, é claro, e despachou Fernando Henrique. Disse que FHC não agüenta o sucesso do atual governo, pois ele representa o fracasso do seu projeto de poder. Nos planos do ex-presidente estava o fracasso de Lula para que ele pudesse voltar nos braços do povo para continuar governando para as elites.

FHC saiu da toca e se expôs ao mundo. Será trucidado no debate político, junto com sua trupe. Quanto a isso, pelo menos nisso, o ex-presidente fez um bem danado para o Brasil.